Um novo estudo desenvolvido por uma equipa de médicos do hospital Mass Eye and Ear, em Boston, nos Estados Unidos, revelou que pessoas prescritas com medicamentos que contenham o princípio ativo semaglutido – nomeadamente os fármacos Ozempic e Wegovy – demonstram um maior risco em desenvolver uma forma rara de cegueira. Os medicamentos com semaglutido – originalmente prescritos para a diabetes – têm revolucionado os tratamentos para a perda de peso nos últimos anos, desde que se descobriu o efeito. Este princípio ativo imita os efeitos que uma hormona intestinal – denominada GLP-1 – tem no organismo, ao estimular a produção de insulina, retardar a passagem dos alimentos pelo estômago e ajudar a controlar o apetite (levando a pessoa a comer em menores quantidades).
A nova investigação científica começou em 2023 após a equipa verificar um aumento do número de doentes com neuropatia óptica isquémica anterior não arterítica (NOIA-NA) – um tipo de acidente vascular cerebral ocular – que se caracteriza pela perda de visão súbita e indolor num olho e que ocorre após a redução ou bloqueio do fluxo sanguíneo para o nervo ótico. Segundo a investigação, esta doença, considerada rara, afeta dez em cada cem mil pessoas, sendo, a seguir ao glaucoma, a segunda principal causa de cegueira do nervo óptico.
Para o estudo foram analisados os dados clínicos de mais de 16 mil pacientes do hospital, tratados durante um período de seis anos. Através dos registos médicos foi possível comparar os dados de doentes com prescrições para medicações com semaglutido com os de pacientes sob outras medicações para a diabetes. A análise da amostra permitiu aos médicos verificarem que as pessoas diagnosticadas com a diabetes a tomar o princípio ativo apresentaram quatro vezes mais probabilidades de vir a serem diagnosticadas com a doença, do que a amostra a tomar outro tipo de medicação. Já as pessoas prescritas com semaglutido que apresentavam excesso de peso ou obesidade mostraram um risco sete vezes maior de vir a sofrer de neuropatia óptica isquémica anterior não arterítica do que o risco apresentado por outros medicamentos.
As descobertas do estudo não provam, contudo, que o semaglutido provoque realmente a doença. “Este estudo é o primeiro, que seja do nosso conhecimento, a relatar uma associação entre semaglutide e NOIA-NA (…). As melhores abordagens para confirmar, refutar ou aperfeiçoar os nossos resultados seriam a realização de um estudo de corte maior, retrospetivo, multicêntrico e de base populacional”, lê-se no estudo.
Os médicos envolvidos no estudo acreditam ainda que a investigação não deve impedir que os pacientes sob estas medicações – Ozempic e Wegovy – continuem a tomá-las, uma vez que a forma como os mesmas afetam a visão ainda não é totalmente compreendida. “Os nossos resultados devem ser considerados significativos, mas provisórios, uma vez que são necessários estudos futuros para examinar estas questões numa população muito maior e mais diversificada”, referiu Joseph Rizzo, diretor do departamento de neuro-oftalmologia do hospital e professor na Universidade de Medicina de Harvard, envolvido no estudo.
Nos últimos anos, tem aumentado cada vez mais o número de prescrições para medicamentos com semaglutido, sobretudo para a perda de peso. “A utilização destes medicamentos explodiu em todos os países industrializados e proporcionou benefícios muito significativos em muitos aspetos, mas as discussões futuras entre um doente e o seu médico devem incluir a doença como um risco potencial”, concluiu Rizzo.
O fabricante dos medicamentos à base de semaglutido – a dinamarquesa Novo Nordisk – emitiu um comunicado de resposta ao resultado do estudo, defendendo que os dados obtidos não são suficientes para associar o uso destes medicamentos e a cegueira. “A segurança dos pacientes é uma prioridade máxima para a Novo Nordisk e levamos muito a sério todos os relatórios sobre eventos adversos decorrentes do uso de nossos medicamentos”, referiu um porta-voz da empresa à CNN, acrescentando que a investigação possui “limitações metodológicas fundamentais” que incluem o “pequeno número de pessoas” que participaram no ensaio.
As descobertas do estudo foram publicadas sob a forma de artigo científico na revista médica JAMA Ophthalmology.
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