O Transtorno Disfórico Pré-Menstrual (TDPM) foi reconhecido como um problema de saúde mental apenas em 2013, e só nesse ano foi incluído na lista de doença depressivas do Manual de Diagnóstico e Estatística de Psiquiatria, publicado pela Associação Americana de Psiquiatria, apesar de não ser incomum.
“Alguns dados conhecidos mencionam cerca de 5,5% a 8% das mulheres em idade reprodutiva com TDPM, embora não se saiba ao certo a sua prevalência em Portugal”, explica à VISÃO Irina Ramilo, médica ginecologista e obstetra e membro da Direção da Sociedade Portuguesa da Ginecologia.
Embora desvalorizado e “subdiagnosticado”, afirma a especialista, este transtorno pode envolver grandes “custos socioeconómicos”, estimando-se que leve “a cerca de 14% de absentismo e a uma redução de 15% na produtividade, com um risco de suicídio marcado”, acrescenta.
O TDPM é um distúrbio de humor cíclico, mais comum entre mulheres em idade fértil, e traduz-se num conjunto de sintomas físicos e psicológicos que podem comprometer o seu bem-estar e qualidade de vida. “Os sintomas surgem, normalmente, durante a fase pré-menstrual ou lútea do ciclo menstrual e desaparecem alguns dias após o início da menstruação”, esclarece Irina Ramilo.
Mas apesar de estar diretamente ligado ao ciclo menstrual, não é um desequilíbrio hormonal, mas sim “uma reação negativa grave do cérebro à ascensão e quebra natural do estrogénio e da progesterona”.
O TDPM, e não Tensão Pré-Menstrual, é uma forma específica, cíclica, de depressão, que ocorre repetidamente durante os últimos 12 dias do ciclo e diminui no início da menstruação, com sintomas sobretudo emocionais e afetivos tão graves e debilitantes que provocam incapacidade funcional das doentes.
Este transtorno pode afetar as mulheres física e emocionalmente, e os sintomas mais comuns são “flutuações de humor e emocionais, como a sensação repentina de tristeza, choro, aumento da sensibilidade, irritabilidade, raiva, aumento do conflito interpessoal, humor deprimido, sentimentos de desesperança ou de inutilidade ou culpa”, explica a ginecologista.
A “ansiedade, tensão, sensação de estar tensa ou nervosa, diminuição do interesse em atividades habituais, dificuldade de concentração, foco ou pensamento, confusão mental, cansaço ou falta de energia” também são sintomas comus de TDPM.
Há mulheres que descrevem também mudanças no apetite e de distúrbios do sono (sonolência excessiva ou insónia) e existem sintomas físicos descritos como “dores e distensão abdominal”, sensibilidade ou inchaço mamário, dores articulares ou musculares e retenção de líquidos”. “Um agravamento deste transtorno chega a levar algumas mulheres a terem crises de pânico frequentes, psicose e desenvolvimento de manias”, diz ainda Irina Ramilo. “Ainda hoje o TDPM é uma patologia de difícil diagnóstico e algumas mulheres relataram que a classe médica as associam à doença bipolar”, acrescenta.
De acordo com a médica, clinicamente, um diagnóstico de TDPM pode requerer a presença de pelo menos cinco destes sintomas, um dos quais deve ser emocional. “Mas devemos sempre valorizar as queixas da mulher”, afirma.
O papel das hormonas
As flutuações de progesterona desencadeiam, no sistema nervoso central, uma reação grave e abrupta na atividade dos neurotransmissores. “As mulheres que sofrem de TDPM têm uma particular sensibilidade às flutuações de progesterona e uma transmissão atípica, assim como menor densidade dos recetores de serotonina, o que se suspeita dever-se a um distúrbio celular no cérebro”, explica a médica.
Em 2017, os cientistas descobriram a existência de um gene relacionado com a TDPM, o que levou a concluir que pode existir uma predisposição biológica nas mulheres que são extremamente sensíveis às flutuações hormonais normais nos seus ciclos.
As mulheres que sofrem desta condição podem, ter “uma diferença intrínseca no seu aparelho molecular de resposta às hormonas sexuais, e não têm apenas comportamentos emocionais que deveriam ser capazes de controlar voluntariamente”, remata a ginecologista.
Devia ser mas fácil falar sobre este transtorno
Irina Ramilo, autora da página @aginecologistadamelhoramiga, acredita que a “existência de uma sociedade paternalista e pouco inclusiva” dificulta a abordagem da doença mental “sem estigmas e receios tipicamente associados”. “As mulheres ainda são educadas de forma a ignorar a sua complexidade hormonal, emocional e social”, defende.
A isto soma-se a “dificuldade de diagnosticar exatamente a doença com meios de diagnóstico concretos e ficar dependente apenas da identificação de sintomas e diminuição da qualidade de vida”, o que leva as mulheres a terem mais dificuldade em falar deste tema. “Havendo preconceito e recato, até a verdadeira prevalência desta doença é difícil de estabelecer e, por isso, orientar”, afirma.
Apesar disso, a médica refere que “atualmente” é mais natural Wmencionar sintomas associados ao ciclo menstrual” nas consultas de ginecologia. “A orientação [da doente] deve ser multidisciplinar, incluindo a psiquiatria, ginecologia e endocrinologia, difícil num País onde subsiste a inexistência de grupos de trabalho e um sistema público de saúde que tem dados sinais de fragilidade”, remata.