Apesar de serem eficazes como retardadores de chama e amplamente utilizados numa grande variedade de produtos de consumo com o objetivo de reduzirem o risco de propagação de incêndio e torná-los mais seguros, estudos anteriores deram conta de que os éteres difenílicos polibromados (PBDEs) podem persistir no ambiente e acumular-se em organismos vivos, incluindo seres humanos.
Há preocupações de que estas substâncias químicas possam estar associadas a vários efeitos adversos para a saúde, como distúrbios endócrinos (os PBDEs são desreguladores endócrinos, o que significa que interferem com as hormonas do corpo), impactos no desenvolvimento neurológico, problemas reprodutivos, doenças da tiroide, diabetes gestacional e obesidade.
Investigações anteriores também concluíram que estas substâncias podem passar para os fetos através da placenta e para os recém-nascidos através do leite materno e um estudo de 2020 relacionou-as com um grande número de deficiências mentais nas crianças.
Agora, um novo estudo concluiu que os PBDEs, usados, por exemplo, em telemóveis e outros produtos eletrónicos, estofos, têxteis e plásticos, podem aumentar o risco de morte por cancro. De acordo com os investigadores, que acompanharam 1100 adultos norte-americanos, as pessoas com níveis mais elevados de PBDEs no sangue tinham um risco aproximadamente 300% maior de morrer de cancro em comparação com as pessoas com níveis mais baixos.
Para a realização do estudo, a equipa analisou, entre 2003 e 2004, os níveis das substâncias químicas presentes no sangue dos voluntários, que faziam parte do National Health and Nutrition Examination Survey, um estudo abrangente e contínuo que avalia a saúde e os hábitos nutricionais da população dos EUA.
Os investigadores compararam, depois, os níveis de PBDEs com as certidões de óbito registadas nesse grupo de participantes, entre 15 e 17 anos mais tarde, tendo encontrado uma associação significativa entre os PBDEs e as mortes por todos os tipos de cancro.
Apesar de investigações anteriores terem já descoberto uma associação entre os retardadores de chama de diferentes tipos e a possibilidade de cancro, a equipa afirma que “este é o primeiro estudo que analisa a associação da exposição a PBDEs com o risco de mortalidade devido a causas específicas na população adulta geral dos EUA”.
Contudo, a equipa não conseguiu determinar os tipos específicos de cancro apenas com os dados disponíveis.
Preocupações sérias com estas substâncias (principalmente nos EUA)
“Como estes produtos químicos têm meias-vidas longas e, por conseguinte, permanecem no corpo humano durante anos, este impacto vai continuar, porque não é possível eliminá-los do ambiente de um dia para o outro”, explica, em entrevista à CNN, Leonardo Trasande, professor de pediatria e saúde populacional na NYU Langone Health, em Nova Iorque, nos EUA, que não esteve envolvido no novo estudo, publicado no JAMA Network Open.
Já um porta-voz do Conselho Americano de Química (American Chemistry Council – ACC), que integra um conjunto de empresas que fabricam e distribuem retardadores de chama, referiu que a entidade defende “sistematicamente a utilização de dados e investigação científica sólida” mas que ainda não tinha tido “oportunidade de analisar minuciosamente o relatório sobre os éteres difenílicos polibromados (PBDE).
“A North American Flame Retardant Alliance (NAFRA) e as empresas que a integram dedicam-se à produção, utilização e gestão responsáveis da química e dos produtos químicos, de forma a proteger a saúde pública e o ambiente, incluindo os produtos químicos retardadores de chama, concebidos para proteger vidas, casas, objetos de valor e o ambiente, prevenindo ou retardando a propagação de incêndios”, garantiu ainda. A NAFRA representa fabricantes, fornecedores e utilizadores de retardadores de chama nos EUA, e pretende promover o seu uso seguro e eficaz.
Neste país, de acordo com dados revelados pelo Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA, a maioria das pessoas tem este tipo de substâncias presente no sangue em níveis cerca de três a 10 vezes superiores àqueles encontrados em pessoas de países europeus.
A exposição aos PBDEs pode ocorrer de várias maneiras: através da inalação, pela ingestão, através do contacto dérmico (embora seja menos comum) e a partir da acumulação no ambiente (podem acumular-se em solos, água e organismos vivos ao longo do tempo, o que pode resultar na exposição indireta a estes compostos através da cadeia alimentar, por exemplo, ao consumirmos peixes contaminados).