O cancro do pulmão é a principal causa de morte por cancro, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Portugal não foge à regra e, segundo os dados do Registo Oncológico Nacional (RON), cerca de 10 a 13% de todos os casos de cancros de pulmão são de um tipo de tumor que se multiplica muito rapidamente, é muito agressivo e metastiza muito cedo para outras partes do corpo: o cancro do pulmão de pequenas células.
Um novo estudo português, que se baseou nos dados do RON para perceber qual é realidade, em Portugal, deste tipo de cancro, deu conta de que em cada 10 novos diagnósticos de cancro do pulmão de pequenas células, aproximadamente sete apresentam doença extensa e, deste valor, não existe atualmente no mercado uma opção de tratamento “válida” para 17,6%.
“O carcinoma do pulmão de pequenas células é uma doença relativamente rara e tem características fenotípicas e genotípicas muito peculiares, que tornam esta doença muito pouco sensível à quimioterapia, não tem nenhum biomarcador preditivo de resposta e, por esse motivo, não existe nenhuma medicação dirigida a alvos terapêuticos”, refere, em declarações à VISÃO, António Araújo, diretor do Serviço de Oncologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto. E mesmo a imunoterapia, acrescenta, “tem sido relativamente pouco eficaz nesta doença”.
“O prognóstico é sempre muito sombrio, já que, mesmo no estadio limitado, cerca de 75% dos doentes acabam por progredir”, refere ainda o médico. Já para o estadio extenso, as abordagens terapêuticas são muito escassas, com progressões muito precoces, “e quando se fala de segundas e terceiras linhas de tratamento o panorama é ainda mais sombrio”, alerta.
O que falta fazer, então?
Descobrir uma forma de personalizar o tratamento e fármacos que aumentem consideravelmente a quantidade e a qualidade de vida destes doentes, garante António Araújo.
Para o especialista, Portugal está, no geral, preparado para realizar os melhores tratamentos oncológicos. Contudo, é “evidente que existem muitas dificuldades na realização atempada dos exames necessários ao diagnóstico e estadiamento da doença”. “Lidamos diariamente com os atrasos na realização das cirurgias ou dos tratamentos de radioterapia que ultrapassam, por vezes, os tempos ótimos”, afirma o especialista.
Além disso, acrescenta, a necessidade “de suplantar alguns atrasos na aprovação da comparticipação dos novos medicamentos” é frequente, “mas os médicos e todos os profissionais das equipas multidisciplinares de saúde esforçam-se para salvaguardar sempre os melhores cuidados de saúde para os seus doentes oncológicos”, garante.
Homens com mais cancro de pulmão
A mesma investigação portuguesa deu conta de que a maioria (8 em cada 10 casos) dos cancros do pulmão são identificados em homens. “Deve-se ao facto de o homem estar mais exposto aos determinantes da doença, como o consumo de tabaco ou a exposição profissional”, refere António Araújo.
O médico explica que o maior responsável pelo aparecimento do cancro do pulmão e que está intimamente ligado a um comportamento de risco é o consumo de tabaco, “responsável por cerca de 80% dos casos”, justificando a importância “de não se iniciar o seu consumo ou, quando se é fumador, da necessidade de rapidamente cessar o seu uso”.
A mesma investigação, que recolheu dados a partir dos doentes seguidos em hospitais de norte a sul do País, mostra que quatro em cada dez doentes (40,9%) têm idade inferior a 65 anos, intensificando a associação entre a doença e o histórico de hábitos tabágicos, já que 95% dos doentes são ou já foram fumadores.
A exposição ao rádon, um ião com grande concentração no granito, também tem grande importância nas áreas com solo granítico, como é o caso do norte de Portugal e de Espanha, e onde as construções das habitações são realizadas principalmente com granito, explica Araújo. “A concentração de rádon dentro das habitações é um fator causal importante”, reafirma.
Outros responsáveis externos do aparecimento do cancro de pulmão são, também, os asbestos – fibras que existem nas telhas de fibrocimento – e a poluição ambiental.
Durante este mês, a Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) lamentou o facto de Portugal estar no “nível zero” na implantação do rastreio ao cancro do pulmão, bem como na prevenção desta doença, e desejou que “o novo Governo” tomasse uma atitude.
“Perdemos uma oportunidade de fazer algo pela prevenção que foi a alteração à lei do tabaco. E agora temos outra notícia que vai tornar muito difícil a execução deste propósito. Vamos ver, depois das eleições, o Governo que for eleito, e ver que atitude toma, mas isto é uma muito má notícia”, referiu, em declarações à Lusa, António Morais.
Os sinais a que importa estar atento
A maioria dos cancros surge entre os 50 e os 70 anos e o do pulmão não é excepção, explica António Araújo, “provavelmente porque são necessários mais de vinte anos de contacto com os carcinogéneos”. “Se não surgir até aos 70 anos, pode significar que o indivíduo tem uma grande capacidade de regenerar o seu ADN celular, pelo que a incidência vai baixando”.
O cancro do pulmão divide-se em carcinoma de pequenas células e carcinoma de não pequenas células, que engloba cerca de 87% do total de casos. Atualmente, as características mais importantes para se definir o cancro do pulmão são as que constituem o seu genótipo, que “tem inúmeras variações, sendo as mais conhecidas e importantes as que definem os adenocarcinomas”, um tumor maligno com origem nas células glandulares e que pode atingir os pulmões, mas também o intestino, estômago, próstata, mama, útero e pâncreas.
Os sintomas e sinais que os doentes podem apresentar incluem-se em três categorias: sintomas constitucionais, como a perda do apetite, o cansaço geral ou o emagrecimento; sintomas da doença loco-regional, que incluem o aparecimento ou agravamento da falta de ar, da tosse ou da expectoração, o aparecimento de expectoração com sangue ou de dor torácica; e sintomas provocados por metastização da doença à distância, como o aparecimento súbito de alterações do estado de consciência (por metastização cerebral), fratura de um osso com um esforço mínimo (por metastização óssea) ou o surgimento de icterícia (por metastização do fígado)