Um novo estudo, realizado por investigadores do Instituto de investigação Pasteur, em Paris, e que envolveu a análise de amostras de sangue de mil pessoas ao longo do tempo, concluiu que o tabaco pode fazer com que haja alterações no sistema imunitário que se mantêm mesmo anos depois de se deixar de fumar.
“Parece haver um interesse significativo para a imunidade a longo prazo em nunca começar a fumar”, diz, citada pela CNN, Violaine Saint-André, especialista em biologia computacional no Instituto e uma das autoras do estudo, advertindo os fumadores para que deixem o tabaco “o mais rapidamente possível”.
Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado em janeiro, sobre as tendências mundiais do tabagismo, deu conta de que, em 2022, cerca de um em cada cinco adultos no mundo fumava ou consumia derivados do tabaco, em comparação com um em cada três na viragem do milénio. Ou seja, o consumo de tabaco tem recuado nos últimos anos, com os dados da OMS a mostrarem que 150 países reduziram com sucesso o consumo de tabaco.
Contudo, os especialistas acreditam que ainda há muito trabalho pela frente no que diz respeito à luta contra o tabaco. Neste estudo, publicado na revista Nature, os investigadores acompanharam homens e mulheres (no mesmo número) saudáveis, com idades entre os 20 e os 69 anos, com o objetivo de perceberem como é que um diferente número de variáveis (136) – a idade, o sexo, a genética, o estilo de vida, os hábitos alimentares e o tabagismo, por exemplo, estavam na lista – impactavam a reação do sistema imunitário.
Para chegar aos resultados, a equipa expôs as amostras de sangue a bactérias como a E. coli ou ao vírus da gripe, medindo a resposta imunitária de cada uma e, após análise cuidada, concluiu que fumar diminui a capacidade de o organismo combater certas infeções, tanto no imediato como ao longo do tempo e leva a uma maior vulnerabilidade no que diz respeito a determinadas doenças crónicas e inflamatórias, tais como a artrite reumatoide e o lúpus.
De acordo com os investigadores, o tabagismo, o índice de massa corporal (IMC) e uma infeção latente provocada pelo vírus do herpes foram as variáveis que demonstraram maior impacto na resposta imunitária, mas foi precisamente a primeira variável que foi mais “considerável”, impactando esta resposta quase da mesma forma que fatores relevantes como a idade.
Deixar de fumar pode reverter isto?
Os autores do estudo concluíram que, quanto mais um dos participantes fumava, mais a sua resposta imunitária era alterada. Contudo, também perceberam que os voluntários que deixaram de fumar durante a investigação melhoraram a sua resposta imunitária, embora não a tenham recuperado totalmente durante anos.
Ou seja, o tabaco tem efeitos epigenéticos a longo prazo nas duas principais formas de proteção do sistema imunitário, tanto ao nível da resposta inata como da resposta adaptativa. A resposta inata é a primeira linha de defesa do corpo e está sempre pronta para responder, não sendo específica para um patógeno em particular, isto é, age contra uma variedade de invasores e responde rapidamente após o reconhecinento desse patógeno. Inclui barreiras físicas como a pele e células especializadas como os neutrófilos, não possuindo memória imunológica. Já a resposta adaptativa desenvolve-se ao longo do tempo em resposta a exposições específicas a patógenos e é, geralmente, mais lenta na primeira exposição, mas cria uma memória imunológica para uma resposta mais rápida em exposições futuras. São células como linfócitos T e B que desempenham papéis cruciais na resposta imunitária adaptativa.
De acordo com a equipa, o efeito que o tabaco tem na resposta inata desaparece rapidamente quando se deixa de fumar; contudo, aquele observado na resposta adaptativa permanece, mesmo depois de se deixar de fumar.
“Uma comparação das respostas imunitárias em fumadores e ex-fumadores revelou que a resposta inflamatória voltou rapidamente para níveis normais depois da cessação, enquanto o impacto na imunidade adaptativa persistiu durante 10 a 15 anos”, resume Darragh Duffy, presidente da Unidade de Imunologia do Instituto Pasteur. “Esta é a primeira vez que foi possível demonstrar a influência a longo prazo de fumar nas respostas imunitárias”.
Para os investigadores, a conclusão é clara: qualquer redução tem um impacto positivo no sistema imunitário.
Apesar destes resultados, é preciso ter em conta algumas limitações do estudo, já que as análises foram realizadas em amostras de sangue em condições de laboratório e o sistema imunitário pode reagir de forma diferente em cenários diferentes. Além disso, todos os participantes do estudo eram franceses não tinham um peso corporal elevado, o que pode ter tido impacto nos resultados (a obesidade pode impactar a resposta imunitária, dizem investigadores).