Depois de uma refeição acontece, por vezes, que se fique com a sensação de queimadura que vem do estômago até ao pescoço. É a chamada “azia”, totalmente inofensiva se ocorrer esporadicamente. Quando é frequente pode, no entanto, ser um sinal de algo mais grave.
O ardor é o sintoma típico da doença do refluxo gastroesofágico que se define como “o retorno de conteúdo gástrico, ao longo do esófago, em direção à boca”, explica Carlos Noronha Ferreira, gastroenterologista sénior no Hospital Lusíadas e no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. O “conteúdo gástrico” é, na esmagadora maioria das vezes, um “líquido ácido produzido no estômago”, acrescenta, mas há casos em que essa substância pode vir do fígado ou como gás.
Sinais: Quando a chamada “azia” é frequente pode ser um sinal de algo mais grave
É uma doença que, diz Paulo Salgueiro, gastroenterologista do Hospital CUF Porto e no Centro Hospitalar Universitário do Porto, “afeta entre 10% e 20% da população adulta” e resulta do mau funcionamento de um músculo – o esfíncter esofágico interior. Este funciona como uma porta que, por norma, está fechada e abre para deixar que os alimentos cheguem ao estômago. Mas, na doença do refluxo gastroesofágico, esta porta não fecha bem: “O esfíncter está entreaberto e isso permite que o conteúdo gástrico suba até ao esófago”, concretiza Carlos Noronha Ferreira.
Há vários fatores que contribuem para o aparecimento ou o agravamento da incompetência do esfíncter, mas os médicos destacam três. A hérnia do hiato é uma das mais comuns e acontece quando um bocado do estômago ultrapassa um orifício – o hiato – que o liga ao esófago. Quando se forma essa “bolsinha”, aumenta-se a possibilidade de existir refluxo. “É algo bastante comum, afeta cerca de 30% da população”, esclarece Paulo Salgueiro, notando que também a obesidade e a gravidez são fatores que pesam no mau funcionamento do esfíncter.
A complexidade do diagnóstico
O diagnóstico desta doença passa, em primeira instância, por avaliar os sintomas. A azia é o mais clássico, mas também é frequente que haja “regurgitação”, que se traduz no retorno de alimentos à boca – sem haver esforços de vómito –, o que “normalmente acontece quando a pessoa está deitada ou se baixa, por exemplo, para atar o sapato”, explica Paulo Salgueiro.
Existem, ainda assim, outras manifestações que podem ser sinais desta doença, mas que, acrescenta o especialista, “são atípicas” já que acontecem em menor percentagem, como é o caso de rouquidão, tosse crónica, erosões dentárias, aparecimento ou agravamento de asma ou dificuldade na passagem dos alimentos.
Reconhecer estes sintomas é importante para chegar ao diagnóstico, mas é normal que tenham de ser feitos exames para o confirmar. “Nunca se deve fiar só num aspeto porque há doentes que não são fáceis de diagnosticar”, alerta Carlos Noronha Ferreira. É que há pessoas que até só desenvolvem as tais manifestações mais raras, sem terem a típica azia. Por isso, faz-se uma endoscopia, que serve “para inspecionar o esófago à procura de feridas provocadas pelo refluxo”, explica.
Mas mesmo que o resultado deste exame não mostre quaisquer lesões, não se pode excluir logo a possibilidade de não haver a doença. Aliás, quase metade dos doentes não tem as feridas, garantem os médicos. Por isso, o passo seguinte é realizar uma pHmetria, em que “o doente tem de andar 24 horas com uma sonda que vai do nariz até à junção esofagogástrica e está constantemente a medir o pH naquela zona do esófago”, explica Paulo Salgueiro, sublinhando que o diagnóstico se confirma se o pH for “demasiado ácido”.
Carlos Noronha Ferreira revela uma outra forma de diagnosticar a doença, o “trânsito esofágico”, se assim se justificar. “É um estudo em que o doente engole bário e, sob raio-X, vê-se a sua progressão pelo tubo digestivo e, depois, de cabeça para baixo, avalia-se se este retorna, confirmando o refluxo”, explica.
A importância dos tratamentos
Confirmada a doença, os pacientes devem adotar uma série de cuidados para que esta seja controlada. “Corrigir a obesidade e o excesso de peso é fundamental”, realça o médico, notando que o consumo de determinados alimentos, como tomate, café ou citrinos, pode facilitar o refluxo. A esta lista Paulo Salgueiro acrescenta alimentos mentolados que “são relaxantes naturais do esfíncter”, tal como o álcool e o tabaco que, por isso, devem ser evitados.
Outras medidas comportamentais a serem adotadas passam por não comer ou beber duas horas antes de se deitar e elevar a cabeceira da cama. E, atenção, não basta só colocar outra almofada. Os especialistas sublinham que “a elevação deve ser de 10 a 15 centímetros”.
O tratamento inclui também a toma de medicamentos, os “inibidores da bomba de protões”, mais conhecidos como os “protetores de estômago” – usados para inibir a produção de ácido. Segundo Paulo Salgueiro, “devem ser utilizados na dose mínima necessária”, e Carlos Noronha Ferreira acrescenta, por seu lado, que quando os sintomas são noturnos, sugere-se que se tomem “antes do jantar e não antes do pequeno-almoço”. Há também uma alternativa cirúrgica que se aplica em casos concretos, como aqueles em que se verificam as hérnias do hiato. “Faz-se um nó no fundo do estômago para o reposicionar no sítio certo”, explica Paulo Salgueiro.
Corrigir a obesidade e o excesso de peso é fundamental
Carlos Noronha Ferreira, Gastroenterologista sénior no Hospital Lusíadas e no Hospital de Santa Maria, em Lisboa
Aplicar todas as medidas que se considerarem necessárias pelos médicos é fundamental para um bom prognóstico da doença. Em doentes ligeiros, pode nem ser preciso vigilância, mas quando há esta exposição prolongada do esófago ao conteúdo gástrico, as complicações chegam a ser muito graves. A mais comum são as feridas que se veem na endoscopia, mas a sua cicatrização pode levar a um aperto no esófago e dificultar a passagem dos alimentos até ao estômago.
O cenário complica-se, no entanto, quando, por causa do refluxo, se começa a falar de uma outra condição: o “esófago de Barret”. “Existe uma substituição das células da parede esofágica por outras que estão mais habituadas a tolerar o ácido, que são as células do tipo intestinal”, explica Paulo Salgueiro, acrescentando que “esta tentativa do organismo de minimizar os estragos predispõe ao aparecimento da complicação mais temida: o cancro”.
Ainda que o médico revele que seja algo “relativamente pouco comum”, realça que “depende muito da duração dos sintomas e se o doente é (ou não) tratado”.
Alimentos a evitar
Alguns funcionam como relaxantes naturais do esfíncter – o músculo que deixa o conteúdo gástrico chegar ao esófago –, outros são de digestão mais difícil e, por isso, ficam mais tempo no estômago, favorecendo o refluxo gastroesofágico. Saiba quais são os alimentos a que deve estar atento
- Citrinos
- Chocolate
- Fritos
- Tomate
Café
- Produtos com mentol
- Alho
- Cebola