“Hoje não vou, mas obrigada pelo convite” ou “não quero ir” são respostas a convites que, à partida, não deviam criar qualquer constrangimento. Contudo, para muitas pessoas dizer não é um verdadeiro desafio e uma porta aberta a problemas de ansiedade. “É, infelizmente, algo culturalmente instituído do que não se deve fazer, uma ideia criada de que temos de estar disponíveis, temos de dizer sim, temos de ajudar, temos, temos, temos…obrigações e mais obrigações”, diz à VISÃO Inês Sousa, psicóloga clínica em Guimarães.
Na maioria dos casos, explica, por seu lado, Sara Cruz, especialista em psicologia clínica em Lisboa, apesar de poder ser motivada por diferentes motivos, esta dificuldade “está quase sempre relacionada com uma razão comum: o medo das consequências”. E a forma como essa pessoa prevê o desfecho de uma determinada situação é uma consequência das suas crenças, da forma como se vê a si própria, o mundo e as relações, esclarece a especialista. “A pessoa que tem dificuldade em dizer não pode ser motivada pelo medo que o outro a rejeite ou se chateie com ela, com o medo de que daí possa surgir um conflito com o qual não quer lidar ou até mesmo com o medo de ser mal interpretada ou julgada pelos outros como egoísta, por exemplo”, afirma ainda psicóloga.
Dizer não significa colocar um limite e isso faz com que as pessoas com medo dessa palavra façam, muitas vezes, coisas que não querem pelo medo das consequências e que coloquem em segundo plano as próprias vontades. “A pessoa que diz sim quando na verdade não quer está a desrespeitar as suas necessidades e desejos, está a ceder a algo que não quer”, diz Sara Cruz.
Além disso, explica a especialista, qualquer atitude que seja motivada pelo medo tende a ter consequências, que não são, geralmente, muito positivas. “Cada vez que a pessoa foge da situação cedendo, cada vez que diz sim quando queria dizer não está a reforçar a ideia de que os medos que a levaram a ser passiva são, na verdade, reais, e que esse não teria consequências realmente negativas”.
António Tavares, psicólogo clínico no espaço Tempsis, em Lisboa, defende o mesmo pensamento. “Às vezes, a fuga é mais fácil, seja esta simplesmente aceitar o que o outro quer de nós, acenar com a cabeça e dizer que sim, ou negar o que sentimos, a nós mesmos e ao outro”, esclarece o especialista. “Podemos saber que não faz sentido, mas emocionalmente é uma melhor resposta do que possivelmente confrontar o outro e fracassar ou desiludir. Não é apenas o potencial de desiludimos o outro, mas também a nós mesmos, o que cria um impasse”, acrescenta.
Ou então, como refere Inês Sousa, este processo é, “muitas vezes, inconsciente, ou seja, a pessoa nem dá conta que essa dificuldade está enraizada desde a infância e que condiciona a sua vida”. “Uma pessoa que está sempre disponível para todos, não está para si”, garante.
“Da mesma forma que não se pede desculpa por se rir de uma boa piada, ou chorar num funeral, não se deve sentir culpado por não gostar de coisa ou de não se concordar com uma opinião”
Ao nível das relações com os outros, pessoal e profissionalmente, a vida das pessoas que sentem grande dificuldade em dizer não é extremamente afetada, defendem os especialistas. “O não define limites nas nossas relações, e a pessoa com dificuldade em colocar esses limites vai provavelmente encontrar-se com frequência em situações que são desconfortáveis para si”, garante Sara Cruz.
E não é só uma questão de consequências emocionais, acrescenta António Tavares. “Muitas vezes, as pessoas que têm esta dificuldade acabam por assumir responsabilidades profissionais e relações, de amizade e amor, que não vão ao encontro do que querem da sua vida. O que desejam e aquilo que acabam por fazer estão fundamentalmente em confronto”, explica.
O especialista diz que, além de “ficarem revoltadas e silenciosamente irritadas com as pessoas à sua volta”, também “podem ser sentidas por outros como falsas, pouco presentes, inconsequentes, egoístas até”, diz o psicólogo. “São pouco consideradas e muitas vezes não se destacam no meio em que se inserem. Podem ser utilizadas como recursos, quase como objetos, como se não tivessem autonomia ou limites”.
A dificuldade em dizer não implica a ideia de máscara social, acrescenta António Tavares, “e mesmo que os outros tenham as melhores das intenções, não podem saber magicamente o que sentimos e o que desejamos no nosso íntimo. Em algumas situações, podemos saber o que é correto e ver um projeto correr mal porque não foi possível defender aquilo em que acreditamos”, acrescenta ainda.
Em relações amorosas, por exemplo, esta dificuldade pode levar a um afastamento gradual por falta de honestidade. “Infelizmente, mesmo nas melhores das relações, isto pode causar afastamento e um profundo sentimento de isolamento”, diz ainda o especialista. Além disso, explica Inês Sousa, uma pessoa com esta dificuldade precisa, em algum momento, de sentir reciprocidade, mas fica “muitas vezes desiludida, porque se nós próprios não definimos nem respeitamos os nossos limites, ensinamos os outros a fazerem isso mesmo. Se estão habituados a uma pessoa que só diz sim, quando disser o contrário não será levada a sério”, acrescenta.
A psicóloga diz ainda que dizer sim a todos com o objetivo de se ser mais querido ou aceite também não revela bons resultados a longo prazo. “Caímos muitas vezes nesta armadilha e a verdade é que ninguém gostará mais de nós por isso. Pelo contrário”, remata.
Um trabalho consistente até ao não
Sara Cruz acredita que “quando colocamos limites nas relações, nomeadamente no trabalho”, também ensinamos à outra pessoa “com que é que pode contar, aos superiores que não vamos estar sempre disponíveis ou que não vamos concordar com tudo o que nos for pedido”. Pelo contrário, “ao dizermos sempre que sim a todos os pedidos, as regras da relação vão sendo definidas de uma forma provavelmente injusta e desconfortável e pode levar ao abuso dos limites por parte do outro, uma vez que estes limites não foram definidos”, defende.
“Da mesma forma que não se pede desculpa por se rir de uma boa piada, ou chorar num funeral, não se deve sentir culpado por não gostar de uma coisa ou de não se concordar com uma opinião”, aconselha, por seu lado, António Tavares, acrescentando que o primeiro passo para se começar a dizer não com mais facilidade passa por “admitir o que sentimos” e trabalhar na aceitação o confronto.
“É preciso ressignificar o não, fazer um grande trabalho de amor-próprio, definir limites e colocá-los em prática, desconstruir as crenças que tem no que diz respeito às relações, reciprocidade, auto-estima, boa educação, o que é aceitável e o que não é”, afirma ainda Inês Sousa.
Fazer terapia é uma ajuda importante, acreditam os especialistas, mas a psicóloga garante que podem ser dados “pequenos passos” diariamente, percebendo efetivamente quando se quer ou não fazer determinada coisa, e respeitar essa vontade. E “se a culpa surgir, as pessoas devem perguntar-se: tenho mesmo de fazer isto? É da minha responsabilidade? Esta situação depende única e exclusivamente de mim para ser resolvida? Muito provavelmente as respostas a estas questões será não”, remata.
Sara Cruz sugere ainda dois exercícios para quem tem dificuldade em dizer não. Pode começar por escrever uma lista dos benefícios e consequências de dizer não, para “tomar consciência do que pode estar a ganhar e a perder com esta atitude, e se, em perspetiva, esta está realmente a ser uma atitude protetora ou não e se a deseja manter na vida e porquê”, explica a especialista.
Outra sugestão da psicóloga é utilizar a “pergunta-chave da antecipação”, que pode ser útil também para outros momentos. Quando uma pessoa antecipa as possíveis consequências de dizer não, surgem na sua mente vários cenários negativos do que poderá acontecer (“a pessoa vai chatear-se comigo”, “vai pensar que só penso em mim”, “vai despedir-me”, por exemplo). Um dos truques é: em momentos de antecipação, ou seja, quando a sua mente estiver focada nos piores cenários, deve questionar-se: “Este cenário é baseado no medo ou realidade? Aquela pessoa vai chatear-se comigo por dizer não ou tenho medo que ela o faça? “. “Quando se conseguir aperceber de que este cenário é baseado no medo, é muito mais fácil explorar as consequências reais em comparação com as consequências temidas, e assim, sair do ciclo do medo”, explica a especialista.