Pensar na palavra cancro arrepia, mas a verdade é que os novos casos continuam a aumentar, todos os anos. De acordo com dados mais recentes do observatório Globocan da Organização Mundial de Saúde, em 2020 houve mais de 30 mil mortes por cancro em Portugal, com o do pulmão a ocupar o primeiro lugar na lista dos cancros mais mortais (quase 4800 mortes), antes do do colón (quase 3 mil) e do estômago (mais de 2 mil).
Os números assustam e, apesar de a mortalidade por cancro estar a diminuir em Portugal e o País apresentar taxas de sobrevivência semelhantes às dos outros países europeus, a incidência de cancro é cada vez maior – só em 2020, foram registados mais de 60 mil novos casos de cancro. “O cancro é uma doença associada ao envelhecimento, e este é o principal fator responsável pelo aumento da incidência das doenças oncológicas”, explica à VISÃO Sandra Bento, Diretora do Serviço de Oncologia do Hospital Distrital de Santarém.
Por outro lado, esclarece a especialista, não existiu, durante anos, uma aposta nos rastreios, principalmente ao cancro do cólon, que não estava operacionalizado em grande parte do País, e a “falta de acesso aos cuidados de saúde primários, já que continuam a existir muitos utentes sem médico de família”, também é outro fator que tem contribuido para o aumento da incidência de cancro, defende Sandra Bento.
As consequências disto são óbvias: os diagnósticos dos cancros são mais tardios, o que faz com que a mortalidade aumente. “Temos de apostar na educação da população relativamente ao cancro e aos seus sintomas e não podemos menosprezar os sintomas associados aos vários tipos de cancro. Devemos procurar um médico assim que os primeiros sinais sejam detetados”, refere a oncologista.
Um estilo de vida saudável pode (mesmo) ajudar a prevenir cancros?
Não existem rastreios – tão importantes para detetar doenças oncológicas e que são feitos para cancros da mama, colo do útero e cólon, por exemplo – para o cancro do ovário. Este cancro, que matou mais de 400 mulheres em 2020, pode revelar sinais em fases já avançadas e, por isso, deve estar-se atento a sintomas de alerta como dor abdominal ou pélvica persistente, sangramento vaginal ou abdómen distendido, por exemplo, esclarece Sandra Bento
“Cerca de dois terços dos casos ainda são diagnosticados em estádios avançados, com menores taxas de sobrevivência. É importante saber que existe a possibilidade de tratamento e quanto mais cedo for o diagnóstico melhor será o prognóstico”, defende a oncologista. Ao mesmo tempo, também é “fundamental” , segundo a médica, assegurar o acesso aos cuidados de saúde primários e agilizar todo o processo desde o diagnóstico até ao tratamento.
E o nosso estilo de vida? Este pode ser um dos fatores com grande impacto significativo no desenvolvimento de cancro e em muitas outras doenças, acredita a médica, acrescentando que “existem alguns aspetos nos nossos hábitos que podem, na maioria das vezes, ser evitados”. ” Os fumadores têm maior probabilidade de desenvolver todos os tipos de cancro e não apenas os que são tradicionalmente associados ao tabaco, como é o caso do cancro do pulmão, das vias respiratórias ou da bexiga”, explica. Por isso, o primeiro hábito que deve deixar-se de lado é fumar.
Sandra Bento diz ainda ser “importante” evitar o consumo de álcool, praticar atividade física e apostar numa alimentação rica em frutas e legumes, evitando alimentos processados e reduzindo o consumo de carnes vermelhas. “A alimentação é um fator ao qual devemos dar especial atenção, por poder estar associada à obesidade, que por sua vez pode levar a um maior risco de desenvolver cancro e outras doenças”, remata.
Vários estudos têm caminhado no mesmo sentido, ao longo dos últimos anos, ao concluírem que um estilo de vida saudável pode, de facto, fazer a diferença na prevenção dos cancros. Em 2015, por exemplo, uma investigação publicada na revista científica Nature pela Universidade de Stony Brook de Nova Iorque, nos EUA, concluiu que a incidência da doença era demasiado elevada para ser explicada por simples mutações na divisão das células, uma questão de “pouca sorte”. Pelo contrário, os investigadores deram conta que fatores ambientais e ligados ao estilo de vida, como o tabaco, o álcool e a exposição solar e à poluição do ar eram responsáveis por nove em cada dez cancros.
Também uma investigação de março de 2018, realizado pelo Cancer Research do Reino Unido, concluiu que mais de 2500 diagnósticos semanais de cancro podiam ser evitados caso fossem alterados certos hábitos: 40% dos cancros não existiriam se as pessoas deixassem de fumar e ingerissem menos álcool, não se expusessem tanto ao sol, se alimentassem de forma mais saudável (evitando o excesso de peso) e se não respirassem tanto ar poluído.
Já no início deste mês, uma investigação realizada nos EUA e publicada no BMJ chegou à conclusão de que o consumo frequente de comidas altmente processadas aumenta o risco de cancro do intestino. A equipa analisou dados de questionários realizados por mais de 200 mil pessoas relativamente aos seus hábitos alimentares, comparando-os depois com a incidência de cancro colorretal, ao longo de trinta anos, e percebeu que os homens que os homens que ingeriam alimentos processados tinham um risco 29% maior de ter cancro colorretal relativamente aos outros.
Relativamente às mulheres, apesar de a probabilidade de desenvolverem este tipo de cancro não ter aumentado com o maior consumo de alimentos altamente processados, a ingestão de refeições pré-preparadas foi relacionada com um maior risco de cancro colorretal.
Também recentemente, um estudo publicado no jornal científico JAMA Internal Medicine deu conta de que o simples facto de caminhar pode diminuir o risco de cancro, enfarte e mortalidade, no geral, com o principal autor do estudo, Borja del Pozo Cruz, investigador da Universidade do Sul da Dinamarca, a explicar, ao jornal catalão La Vanguardia, que “o risco de doença cardiovascular e cancro começa a baixar desde o primeiro passo”.