As dores de cabeça eram frequentes e Manuela Ribeiro já não as estranhava. Tomava um comprimido de paracetamol e passava. Até vir a próxima.
Durante vários anos, Manuela Ribeiro, 54 anos, de Penafiel, foi gerindo as cefaleias, umas mais fortes, em que só queria estar num quarto escuro, outras mais leves, na zona das têmporas, cada um dos lados da cabeça, entre os olhos e as orelhas.
Foi sempre desvalorizando, achando que podia ser cansaço do trabalho ou falta de óculos. Mas, um dia, uns soluços invulgares interromperam-lhe a refeição e, ao tentar andar, a perna direita estava sem mobilidade. Seguiram-se esquecimentos e tonturas, tendo a sensação de que ia a cair.
Em abril do ano passado, Manuela consultou o médico, fez uma TAC (tomografia computorizada) e uma Ressonância Magnética do crânio, em que foi identificada uma lesão tumoral muito volumosa, com cerca de sete centímetros.
O meningioma, tumor cerebral benigno, de crescimento lento, que lhe estava a provocar grande compressão sobre o cérebro, poderia estar a desenvolver-se há uma década, explicou-lhe, na altura, o neurocirurgião.
Antes de entrar no bloco operatório, foi avisada do risco que corria numa cirurgia muito complicada, que durou cinco horas, seguidas de mais 24 nos cuidados intensivos, sob observação.
A lesão foi removida na totalidade com sucesso e sem défices neurológicos. Há um ano que Manuela não sente dores de cabeça, tonturas ou qualquer falha na mobilidade. “Ficou curada. Com um grau de certeza de 99,9% este tumor nunca mais lhe irá aparecer”, diz Nuno Morais, neurocirurgião no Hospital CUF Porto.

A história de Manuela Ribeiro é das mais comuns, o típico caso de um doente que chega muito tarde às mãos do médico. “A pandemia atrasou muito o diagnóstico e o acesso mais difícil ao médico de família também não está a ajudar”, reclama Nuno Morais. “Às vezes são os próprios familiares que notam comportamento diferente”, acrescenta.
Os sintomas de um tumor cerebral variam consoante o tamanho e a sua localização, mas , enquanto nas crianças são mais frequentes as náuseas, vómitos, letargia e aumento do perímetro cefálico, nos adultos dominam as dores de cabeça. “Apenas 1% das cefaleias está relacionado com sintomas de tumores cerebrais”, alerta Nuno Morais.
Trata-se de uma dor caracterizada por ser “pior de manhã, aliviada pelo vómito, piora com esforços e com a inclinação da cabeça para a frente.”
Apenas 1% das cefaleias está relacionado com sintomas de tumores cerebrais
Nuno Morais, neurocirurgião no Hospital CUF Porto
As pessoas devem estar atentas se as dores de cabeça fogem do padrão habitual, se se vão agravando progressivamente ao longo do tempo, acrescidas de crises convulsivas (epilepsia), alterações da visão, como visão dupla, e diminuição da força muscular num dos lados do corpo, habitualmente, o lado contrário ao do tumor. Também podem surgir alterações do comportamento, do estado de consciência e da fala.
Ao longo da vida, qualquer pessoa pode vir a ter um tumor cerebral. No entanto, existem alguns fatores de risco associados ao seu aparecimento. A mais comum é a exposição à radiação, pessoas que foram submetidas a tratamentos de radioterapia por outros tumores, por exemplo, ou com profissões de risco que envolvam contacto próximo com radiação ou radiação atómica.
Em situações mais raras, alguns tumores também estão associados a síndromes neurológicas.
Sabendo que existem cerca de 120 tipos de tumores cerebrais, com diferentes graus de gravidade, importa sublinhar que 70% dos tumores são benignos e 30% malignos. “Fator de esperança para quem recebe o diagnóstico”, nas palavras do neurocirurgião.
A primeira cirurgia documentada realizou-se em Londres, há mais de 130 anos, em 1884, com o objetivo de manter o doente vivo. A evolução seguinte consistia em o doente sobreviver 30 dias após a operação. Em meados do século XX, o sucesso da cirurgia era medido quando o doente ia para casa e só no final do século XX se começou a falar de qualidade de vida.
Hoje em dia, são muitos os tumores curados apenas com a cirurgia. Noutros, pode ser necessário fazer radioterapia ou quimioterapia, ou as duas. Também é possível viver com o tumor alojado no cérebro. “Existem casos benignos que, às vezes, pela sua localização, dimensões e quando detetados de forma precoce não requerem que se faça logo uma remoção imediata e pode-se ir vigiando regularmente através de uma Ressonância Magnética cerebral. Se crescer ou provocar outro tipo de sintomas avança-se para a cirurgia, que na maior parte dos tumores é o tratamento de primeira linha”, explica Nuno Morais.
Apesar de a tecnologia, nos últimos 20 anos, ter vindo a ser aperfeiçoada, permitindo a remoção segura, através de microscópio, com minimização do risco de sequelas neurológicas na convalescença e boa qualidade de vida, é sempre uma cirurgia delicada, daí a importância de um diagnóstico precoce.