Desde que começou o desconfinamento, aumentaram os pedidos de ajuda a sexólogos, garante o psiquiatra Rui Ferreira Carvalho, da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica (SPSC). Por um lado, muitos casais, quando ficaram confinados, sentiram uma “grande pressão, pela ideia romantizada de que poderiam ter mais tempo para apimentar a relação”. Mas a realidade foi diferente: “Chegaram muitas queixas aos consultórios de que se passavam semanas sem haver relações sexuais.”
A sexóloga e ginecologista Joana Lima Silva diz que a expectativa em relação ao orgasmo pode levar à insatisfação sexual
Há muitos outros casos, refere, por seu lado, a sexóloga e ginecologista Joana Lima Silva, que resultam do adiamento, devido à pandemia, da resolução de problemas sexuais que já existiam antes. Entre as queixas mais frequentes estão questões relacionadas com disfunções sexuais, nomeadamente ejaculação prematura e disfunção erétil. E também diminuição de desejo e dor durante o ato sexual.
“A pandemia trouxe a proximidade em ‘demasia’, o que levou a uma diminuição do desejo espontâneo”, conclui o sexólogo Rui Soares, também médico e consultor no Grupo Multidisciplinar em Oncosexologia, no IPO de Coimbra. Os especialistas explicam como recuperar o desejo.
1. Dialogar com o parceiro
O sexólogo Rui Soares aconselha o casal a dialogar sobre sexualidade, sexo e desejo. Para saber quais os estímulos que mais intensificam o prazer, do que se sente falta e o que se gostaria de fazer ou de experimentar. Deve-se fazê-lo sem qualquer tipo de coação, respeitando as crenças um do outro, recomenda Patrícia Pascoal, presidente da SPSC. A sexóloga Graça Santos, psiquiatra e coordenadora da consulta de sexologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), alerta, por sua vez, para “três erros na comunicação: não ouvir o que o outro diz; assumir que sabe e dar como certo o que o outro pensa e sente; e, por fim, achar que o parceiro deve adivinhar o que o outro sente.” Muito importante, avisa, é “não humilhar o outro com críticas mordazes que levam o casal a afastar-se”. Outra regra de ouro: o casal nunca deve abordar estes assuntos quando ambos os membros estão zangados, sugere a sexóloga Patrícia Pascoal.
2. Apostar na intimidade
Dê asas à imaginação. Volte a namorar. Seja carinhoso, sensual ou romântico, e “esteja atento às necessidades do outro”, aconselha a sexóloga e psiquiatra Graça Santos, coordenadora da consulta de sexologia do CHUC.
Incentive a intimidade, com a criação de momentos de relaxamento e até afrodisíacos com massagem, banho a dois, utilização de uma lingerie diferente, brinquedos sexuais ou com masturbação, recomenda o sexólogo Rui Soares. Mas aconselha: “Não pode haver inibição em demonstrar os pontos de prazer, o gosto específico por um tipo de toque, por uma descoberta ou brincadeira diferente.” Por isso, quebre a rotina e experimente novas abordagens e posições sexuais diferentes, sugere a sexóloga Graça Santos.
3. Não se focar no orgasmo
Comece por explorar outras sensações na relação sexual. “É importante que o foco do casal não seja a penetração, mas, sim, a redescoberta dos pontos de prazer e reconhecimento do corpo do outro. Só assim se ativam os sentidos e o desejo é novamente desperto”, recomenda o sexólogo Rui Soares. A psicóloga e sexóloga Ana Filipa Beato acrescenta, por seu lado, que “o prazer é sinónimo de muitas coisas, que podem ou não incluir o orgasmo. O desafio é cada um descobrir o que funciona melhor para si e para a sua relação”. Por exemplo, explica, “para uma pessoa, pode ser fundamental atingir o orgasmo, enquanto outra sente prazer apenas ao ter uma conversa muito interessante ou a trocar carícias”.
O orgasmo é considerado o ponto de prazer máximo, o culminar do ciclo de resposta sexual. “Mas o prazer associado à sexualidade ultrapassa o orgasmo”, defende, por sua vez, a ginecologista e sexóloga Joana Lima Silva. Até porque, justifica, “a expectativa em relação ao orgasmo e os mitos a este associados – como a obrigatoriedade de orgasmos múltiplos na mulher, o orgasmo simultâneo entre os parceiros e com a penetração vaginal – são, muitas vezes, responsáveis por insatisfação sexual”.
4. Brinquedos eróticos
Se quiser apimentar a relação sexual e ambos os elementos do casal se sentirem confortáveis com a utilização de brinquedos sexuais, esta pode ser uma boa sugestão. “São utilizados para potenciar a excitação, o prazer e as sensações eróticas”, explica Patrícia Pascoal, presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica. E existe uma variedade de produtos no mercado. “Por exemplo, os vibradores e os massajadores que fazem pequenos movimentos repetitivos, podem variar em tamanho e forma, e podem ser usados para estimular diferentes partes do corpo, como vagina, vulva, pénis, testículos, ânus e mamilos”, descreve a psicóloga clínica e terapeuta sexual Ana Filipa Beato. “Os dildos são os objetos mais famosos; possuem uma forma fálica e servem para ser introduzidos na vagina e no ânus.” Também existem os anéis penianos, que são usados apenas no pénis, além de produtos e acessórios, como lubrificantes, óleos, algemas, máscaras e cordas, para responder a fantasias sexuais.
5. Alimentos afrodisíacos
O ginseng, o gengibre, o ginkgo biloba, a maçã, o chocolate, as ostras e os espargos têm sido descritos como afrodisíacos, ou seja, associados ao desejo e à melhoria da função sexual. Bettina Moritz, nutricionista doutorada em Neurociências, acrescentou ainda, numa entrevista que deu à VISÃO, o mel, a romã, o cebolinho e a melancia. Ainda assim, avisou que é preciso um consumo elevado e frequente para se obter esses benefícios de potenciadores do efeito afrodisíaco. Aliás, são precisos mais estudos que mostrem existir evidência científica sobre a “relação direta” entre os alimentos e a libido humana, alerta a ginecologista e sexóloga Joana Lima Silva, que admite, porém, um efeito poderoso. “Muito provavelmente, o efeito placebo será mais preponderante do que o efeito do alimento, em si.” A sexóloga Graça Santos concorda: “Se acreditarmos que são eficazes como afrodisíacos, isso leva a que se produza esse efeito por razões de expectativa.” Joana Lima Silva nota ainda que alguns alimentos, ingeridos com regularidade, “melhoram a saúde sexual ao fazerem aumentar os níveis de nutrientes essenciais para o funcionamento sexual”.
Também é conhecido o efeito desinibidor do vinho em doses moderadas. Mas pode ter o efeito oposto quando consumido em excesso, “acabando por prejudicar o desempenho sexual”, adverte a sexóloga Graça Santos.
6. Praticar exercício físico
É essencial manter um estilo de vida saudável, para que também estejamos predispostos a ter uma vida sexual ativa. “E o exercício físico condiciona sempre uma melhoria do bem-estar físico e psicológico, diminui a ansiedade, melhora a autoestima e, consequentemente, tem um efeito positivo no desempenho sexual”, afirma a ginecologista e sexóloga Joana Lima Silva. A sexóloga Graça Santos acrescenta, por sua vez, que “manter um estilo de vida saudável, ao nível físico e psíquico, é protetor em relação à disfunção sexual”.
7. O odor na atração sexual
Há estudos científicos que apontam para a importância do odor corporal – como fluidos vaginais, esperma e suor – na atração sexual e romântica. “Alguns odores corporais estão associados à atração ou repulsa sexual. E há estudos que defendem que, através do olfato, conseguimos escolher parceiros sexuais mais compatíveis”, afirma a ginecologista e sexóloga Joana Lima Silva.
A psicóloga clínica e terapeuta sexual Ana Filipa Beato acrescenta, por seu lado, que, recentemente, uma equipa de investigadores de Dresden, na Alemanha, concluiu, num estudo com pessoas saudáveis, que não existia uma relação entre a sensibilidade olfativa, o desejo e o desempenho sexuais. “Ainda assim, os participantes com maior sensibilidade mostraram-se tendencialmente mais satisfeitos sexualmente, o que levou os investigadores a concluírem pela provável influência positiva da perceção de certos odores corporais na resposta sexual”, resume. Porém, avisa: “Sabemos que, para muitas pessoas, estes odores podem gerar desconforto ou até repulsa. Portanto, a relação não é linear.”
8. Terapia sexual
É uma consulta em que o terapeuta intervém junto do casal ou de um dos elementos para os ajudar. Pode ainda prescrever trabalhos de casa, como algum comportamento ou atividade que o casal tem de cumprir até à próxima sessão, explica o sexólogo Rui Ferreira Carvalho, da SPSC. Outro exemplo: “Ter práticas mais ligadas ao foco sensorial, que é uma técnica da terapia sexual, ou seja, o casal estar mais atento à componente sensitiva, ao toque e ao momento.” Desta forma, continua, por seu lado, a psicóloga clínica e terapeuta sexual Ana Filipa Beato, “as pessoas não ficam presas em pensamentos negativos que geram, muitas vezes, sentimentos como ansiedade, tristeza e frustração, nem em comportamentos que em nada ajudam à resolução do problema, como evitar ter relações ou aproximar-se de forma intimidante da outra pessoa, consumir substâncias antes das relações e discutir”.
Segundo Rui Ferreira Carvalho, na terapia sexual, o terapeuta também pode prescrever interdições, “como proibir a prática do coito vaginal com o objetivo de tirar o foco de uma relação sexual centrada na penetração, que é precisamente onde, às vezes, se detetam as dificuldades que levam as pessoas à consulta”.
Causas da perda de desejo sexual
► A rotina diária, o cansaço, o ritmo de vida diferente, as preocupações são causas comuns aos dois membros do casal, nota o sexólogo Rui Soares
► Na mulher, há razões hormonais e emocionais que interferem no desejo, como as fases do ciclo menstrual, da gravidez ou da menopausa, refere Rui Soares
► A sexóloga e ginecologista Joana Lima Silva diz que os problemas com o orgasmo, a ereção ou ejaculação, ou a dor associada à relação sexual podem, a longo prazo, condicionar o interesse sexual. Os traumas emocionais também interferem
► Vários problemas de saúde podem afetar a libido, como doenças cardiovasculares, neurológicas, oncológicas, musculoesqueléticas e respiratórias, além de hipertensão, diabetes e infeções sexualmente transmissíveis, enumera a psicóloga clínica e terapeuta sexual Ana Filipa Beato
► O tratamento cirúrgico pode ter impacto no desejo. Uma mastectomia pode afetar a autoimagem da mulher e afetar o desejo sexual, explica a sexóloga Graça Santos, psiquiatra e coordenadora da consulta de sexologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
► A depressão e as perturbações de ansiedade
► O consumo abusivo de álcool provoca alterações marcadas, levando à inibição do desejo e à disfunção erétil, adianta a psiquiatra Graça Santos
► Os antidepressivos, anti-hipertensores, anti-histamínicos ou pílulas contracetivas podem interferir
► A falta de comunicação e de confiança pode condicionar o desejo sexual
Os medicamentos
Especialistas indicam quais as substâncias que podem ser usadas, bem como os seus efeitos e riscos
Antidepressivos
O psiquiatra e terapeuta sexual pode prescrever antidepressivos quando a pessoa, que apresenta problemas sexuais, tiver ansiedade e depressão. “O objetivo é combater os pensamentos negativos e potenciar o desejo através do combate das perturbações psiquiátricas de base”, explica o psiquiatra Rui Ferreira Carvalho. Por exemplo, justifica, “alguns fármacos antidepressivos, como têm como efeito secundário prolongar o tempo de ejaculação, podem ser usados na ejaculação prematura para a travar, como é o caso da dapoxetina”.
Androgénio e estrogénio
Quando a disfunção sexual está associada a um fator hormonal, pode ser recomendada a administração de androgénio, que inclui hormonas masculinas como a testosterona, e ainda de estrogénio, apresentado sob a forma de comprimidos ou adesivo transdérmico.
Testosterona injetável
É usada para estimular o desejo nalgumas mulheres, mas tem efeitos secundários como a masculinização, porque pode estar a induzir caracteres sexuais masculinos como aumento da pilosidade, por exemplo, sublinha Rui Ferreira Carvalho, da SPSC. Por isso, adverte, “deve ser utilizada em situações muito específicas, com acompanhamento especializado e uma avaliação analítica do sangue”. A ginecologista e sexóloga Joana Lima Silva também adverte para o facto de “o uso de testosterona não estar aprovado para o tratamento da disfunção sexual feminina, devido à falta de evidência científica de qualidade, dados de eficácia controversos e incertezas quanto à segurança da sua utilização e efeitos a longo prazo”. Entre eles estão o aumento do pelo, acne e alteração da voz.
Já no homem, a reposição de androgénio, quando os níveis estão baixos, pode ser injectável ou em gel, sublinha a sexóloga Graça Santos, psiquiatra e coordenadora da consulta de sexologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC).
Tibolona
Utilizada como terapêutica de reposição de estrogénios na menopausa, pode melhorar a função sexual da mulher na pós-menopausa, “principalmente naquelas que relatam uma diminuição franca do desejo sexual com esta nova etapa da sua vida”, resume a ginecologista e sexóloga Joana Lima Silva. O psiquiatra Rui Ferreira Carvalho explica que a tibolona é uma hormona sintética destinada a combater a diminuição das hormonas no pós-menopausa. “Este medicamento só está indicado se existir uma variação hormonal”, avisa.
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