Sempre que o índice de massa corporal (IMC) está acima de 25, ou seja, no nível de excesso de peso, é visto como um sinal de preocupação. É através desta medida que se avalia a concentração de massa no corpo, tendo em conta as proporções do peso e da altura de cada pessoa, segundo a seguinte fórmula: dividindo o peso (kg) pela altura ao quadrado (em metros). Por norma, quando o IMC é superior ao que é considerado um peso normal, nivelando-se no sobrepeso ou na obesidade, aumenta também a probabilidade de as pessoas sofrerem de doenças cardiovasculares ou de cancro.
No entanto, um estudo recente publicado, no final de abril, na revista Nature Aging sugere que esta diretriz pode não ser rigorosa, pelo menos para pessoas com mais de 80 anos na China.
Para esta investigação, liderada por Xiaoming Shi do Centro Chinês de Prevenção e Controlo de Doenças, foram observadas 27 mil pessoas, todas com mais de 80 anos, perfazendo uma idade média de 92,7 anos e, segundo as conclusões, para esse grupo etário da população, estar com excesso de peso (25-29,9) e até com obesidade leve (30-34,9) está associado a menor mortalidade por todas as doenças, exceto as cardiovasculares. Especificamente, o IMC ideal para a saúde dos idosos ficou entre 26 e 30,6, quando o excesso de peso inicia-se aos 25 e a obesidade aos 30.
Essa descoberta sugere que as recomendações de saúde quanto aos valores de referência do IMC, feitas a partir do estudo de peso e saúde para a população geral, devam ser ajustadas para essa faixa etária, que é minoritária.
Num outro artigo também publicado na Nature por Jean Woo, da Universidade Chinesa de Hong Kong, recorda-se que outros estudos observaram esse efeito benéfico de estar ligeiramente acima do peso, segundo considerações gerais. “Ainda assim, essas descobertas foram amplamente ignoradas pelos profissionais de saúde, embora tenham sido vistas nos Estados Unidos, Austrália, Europa e Hong Kong”, alerta Jean Woo.
Felipe Casanueva, professor da Universidade de Santiago de Compostela que não participou do trabalho, considera-o “interessante e bem feito”, mas acredita que “as recomendações de vida saudável que são feitas à população não podem ser alteradas por um único estudo” e que “o excesso de peso deve ser evitado em todas as idades”.
No entanto, explica o professor ao jornal El País, com a idade, os problemas de obesidade mudam. “Ocorrem problemas de obesidade sarcopénica, que acontece quando o peso é mantido, mas a composição corporal muda porque a gordura aumenta e os músculos diminuem”.
Isso faz com que também seja importante estudar as percentagens de músculo e de gordura e explica porque, além de uma boa alimentação, os programas de exercícios são tão importantes para os idosos manterem a massa muscular. Outros fatores, como os efeitos da osteoporose nas vértebras, fazem com que a altura seja perdida com a velhice e isso explica parte do aumento do IMC no grupo estudado pela equipa chinesa.
Os autores do estudo apontam que alguns dados obtidos recentemente sugerem que certos riscos para a saúde cardiovascular, como ter colesterol elevado ou pressão arterial alta, estão relacionados a uma melhor saúde e sobrevivência entre os idosos.
Entre as possíveis explicações para esse paradoxo da obesidade, a equipa de Xiaoming Shi aponta que o excesso de peso pode ser um sinal de melhor estado nutricional, o que compensaria os riscos de ter peso a mais, e aponta que o excesso de gordura pode representar “uma reserva de energia protetora […] ou a retenção de toxinas em gordura que fornece uma vantagem de sobrevivência”.
Além disso, é preciso reforçar que a partir dos 60 anos, o peso médio da população tende a diminuir devido à perda de massa muscular, o que pode explicar o agravamento da saúde.
O trabalho publicado na Nature Aging conclui que estes resultados e os de outros estudos semelhantes sugerem que é necessário interpretar o IMC e a sua relação com a saúde, tendo também em conta outros fatores como a idade, a percentagem de gordura e músculo e as comorbilidades associadas.