Estão no fundo dos oceanos e no topo de Evereste e agora também no organismo humano. Um estudo descobriu pela primeira vez partículas de microplásticos no sangue de quase 80% dos participantes testados. A principal preocupação é agora perceber exatamente de que forma afetam estas partículas o organismo humano e até que ponto podem ser prejudiciais.
O estudo publicado na revista Environment International analisou as amostras de sangue de 22 doadores anónimos, todos adultos saudáveis, tendo encontrado partículas de plástico em 17 dos participantes, ou seja em 80% das amostras. Além de identificar a presença de microplásticos no sangue, o estudo ocupou-se de distinguir os diferentes tipos de plástico de modo a perceber qual seria a maior fonte de microplásticos no dia-a-dia humano.
O plástico conhecido como PET, frequentemente utilizado em embalagens e garrafas, foi encontrado em cerca de metade das amostras analisadas e considerado o mais comum. Um terço apresentava plástico poliestireno, presente nas embalagens de vários alimentos e outros produtos e um quarto continha polietileno, usado nos sacos de compras comuns. O principal autor do estudo e ecotoxicologista da Universidade de Vrije Amsterdam, na Holanda, Dick Vethaak explicou ao The Guardian que os diferentes níveis e tipos de plástico entre as amostras poderiam estar relacionados com a exposição recente dos participantes a um certo tipo de plástico como, por exemplo, terem bebido café de um copo descartável antes da sua recolha de sangue.
O estudo procurou otimizar técnicas já anteriormente utilizadas para que fosse possível detetar objetos microscópicos com até 0,0007 milímetros, uma etapa importante para melhor identificar os microplásticos no sangue. Os investigadores garantiram ainda que o material de laboratório, como seringas, não era constituído por plástico, de modo a não alterar os resultados e evitar contaminações.
O plástico é um dos materiais artificiais mais facilmente encontrados no planeta Terra. Segundo dados da Statista de 2020, desde de 1950 que a produção de plástico tem vindo a aumentar continuamente de 2 milhões de toneladas por ano para 359 milhões em 2018, uma tendência que, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE) se continuará a verificar até 2040, atingindo os 540 milhões.
Várias iniciativas têm sido desenvolvias no sentido de alertar o mundo para a poluição causada pelo plástico, nomeadamente a Common Seas que, juntamente com a Organização Nacional Holandesa para Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde, financiou a pesquisa.
O plástico é responsável por libertar microplásticos que não só contribuem para a poluição do planeta Terra, como têm o potencial de trazer consequências à saúde e bem-estar dos animais e humanos. De facto, já haviam sido identificados microplásticos em diversos animais marinhos, assim como na água, alimentos e ar que respiramos e mesmo nas fezes de bebés e adultos. Os microplástios parecem estar em todo o lado, e agora também no sangue humano.
Mas o que significa termos microplásticos no sangue? Os cientistas ainda não são capazes de responder concretamente a esta questão, mas segundo Vethaak, há motivos para estarmos “preocupados”, razão pela qual a próxima etapa da pesquisa tentará responder a essa questão.
Pesquisas complementares
No passado já alguns estudos reuniram evidências dos malefícios que os microplásticos podem ter em diversos animais. Um estudo publicado em 2020 na Science Direct identificou a “contaminação por microplásticos das espécies de peixes ( D. labrax , T. trucharus e S. colias ) capturadas nas águas costeiras portuguesas da plataforma continental (NE Oceano Atlântico) e destinadas a ser vendidas para consumo alimentar humano”, destacando na sua conclusão “a necessidade de uma avaliação mais aprofundada da contaminação de alimentos humanos por essas partículas, e a necessidade de mais pesquisas sobre a toxicidade dos microplásticos para humanos”.
Um dos poucos estudos que se foca concretamente o efeito dos microplásticos em organismos vivos foi realizado em ratos e os resultados confirmam a preocupação dos cientistas. Os ratos expostos a grandes quantidades de plástico desenvolveram inflamações intestinais, apresentaram uma contagem de esperma abaixo dos níveis normais e consecutivamente menos filhos e mais pequenos em tamanho.
No que toca aos efeitos do microplástico nos humanos, as pesquisas disponíveis são ainda mais escassas, mas um estudo publicado na EurekAlert foi capaz de apresentar evidências de que os microplásticos ficam presos nas membranas exteriores dos glóbulos vermelhos limitando a sua capacidade de transportar oxigénio.
De momento, os níveis de microplástico no ambiente parecem não afetar, pelo menos significativamente, a saúde humana, mas, tendo em conta as previsões futuras, é possível que isso rapidamente mude, razão pela qual é importante investir em estudos que explorem os efeitos destas partículas no organismo. No seu site, a Common Seas sublinha que “temos o direito de saber o que está nos nossos corpos”.
O impacto dos microplásticos no ser humano é uma preocupação que é, cada vez mais, partilhada por diversos membros da comunidade científica. Outros estudos estão a procurar explorar este tópico e segundo o The Guardian, cerca de 80 ONG´s já pediram publicamente ao governo do Reino Unido que investisse 18 mil euros nas pesquisas que focam os impactos dos microplásticos na saúde humana. Na UE também têm sido desenvolvidos estudos nesse sentido.
E agora?
O estudo publicado é descrito por Vethaak como “inovador” por ser o “primeiro indicador de que temos partículas poliméricas no nosso sangue”. Partículas de microplástico já tinham sido encontradas em diversos órgãos do corpo humano como os pulmões, cérebro e até na placenta de mulheres grávidas, mas o estudo publicado recentemente sugere que estão também presentes no sangue, abrindo possibilidade para que possam viajar pelo corpo e alojar-se nos órgãos.
Uma pergunta permanece por responder: e agora? O que retirar da recente descoberta? Vethaak frisou a importância de continuar o estudo e perceber exatamente qual o impacto dos microplásticos para a saúde humana. A sua principal preocupação são os bebés, nomeadamente porque pesquisas anteriores identificaram nas suas fezes uma presença de microplásticos 10 vezes maior do que nas dos adultos. A maioria dos bebés são alimentados a partir de recipientes de plástico que libertam microplásticos, levando-as a ingerir milhões deste tipo de partículas diariamente. Torna-se, posto isto, importante que os pais procurem alternativas ao plástico ou se certifiquem, pelo menos, que as embalagens não têm BPA´s, composto muito utilizado para fazer plásticos, na sua constituição.
Em resposta ao The Independent Vethaak dá ainda outros conselhos para a redução da ingestão de microplásticos. Tentar “evitar a utilização de plásticos de apenas um uso” é importane, “especialmente plásticos que estejam em contacto com a comida – comida e bebida embaladas em plástico”. Os alimentos devem também “ser cobertos” para “evitar a deposição de partículas de plástico”, explica. Uma boa ventilação é também “importante porque as concentrações de microplásticos parecem ser maiores no interior do que no exterior”, acrescenta.
Segundo um estudo publicado em 2018 pela World Wildlife Fund, em Portugal 72% do lixo encontrado nas zonas industriais e de estuários são microplásticos. As zonas mais afetadas são Lisboa e a Costa Vicentina devido à sua localização próxima dos estuários do Tejo e Sado. Este tipo de poluição pode afetar as cadeias alimentares dos animais marinhos, com repercussões também nos humanos. Segundo o estudo publicado na Science Direct, “as estimativas de consumo de microplásticos por ano/capita para os diferentes países mostraram que a exposição a microplásticos através do consumo de peixe pode de facto ser consideravelmente mais elevada em países onde o consumo de peixe é elevado, como Portugal”.
Os números são preocupantes, nomeadamente porque não incluem os microplásticos que entram no organismo humano através de outras vias. Segundo um relatório publicado pelo Seas At Risk em 2017, Portugal consome anualmente 721 milhões de garrafas de plástico, 259 milhões de copos de café descartáveis, mil milhões de palhinhas, 40 milhões de embalagens descartáveis e 10 mil milhões de beatas de cigarros, que têm microplásticos na sua constituição.