Foi há dois anos que Miguel Castanho, investigador do Instituto de Medicina Molecular e Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, começou o projeto Protecting the brain from metastatic breast cancer (proteger o cérebro do cancro da mama metastásico), juntamente com João Gonçalves, investigador da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Depois de perceberem que podiam combinar a experiência das duas equipas – uma consegue fazer chegar fármacos ao cérebro, a outra desenvolve anticorpos contra células tumorais – começaram a planear e a desenvolver o projeto.
“Parecia a combinação perfeita para atacar um problema difícil: colocar os fármacos certos no local certo para impedir o desenvolvimento de metástases tumorais no cérebro”, explica à VISÃO Miguel Castanho. Já que o cancro da mama é um dos mais comuns e o segundo que representa mais perigo em termos de desenvolvimento de metástases cerebrais (cerca de 5% dos casos e aumenta para cerca de 15% em cancro da mama avançado, sendo que em autópsias foi descoberta uma frequência superior, que chega aos 30%), ultrapassado apenas pelo cancro do pulmão, as equipas focaram-se neste tumor, mas num subtipo específico.
“Existem alguns tipos de cancro de mama para os quais ainda não existe medicação seletiva e essa falha implica que os doentes com este subtipo da doença têm de ser tratados com quimioterapia muito agressiva, menos eficaz e com muitos efeitos secundários”, acrescenta o investigador. O objetivo das equipas foi, então, encontrar uma solução para evitar as metástases cerebrais de um subtipo de cancro de mama denominado triplo negativo, ainda sem medicação específica.
As células cancerígenas com níveis mais elevados do que o normal da proteína HER2 – presente na parte externa das células mamárias e que promove o seu crescimento – são denominadas HER2 positivas. O termo triplo negativo significa que as células, além de não possuírem recetores de estrogénio e progesterona, também não apresentam um aumento da proteína HER2. O cancro de mama triplo negativo desenvolve-se e dissemina-se mais rapidamente do que outros tipos deste cancro, tem opções limitadas de tratamento e um pior prognóstico.
O projeto foi, depois, alargado a mais duas equipas espanholas, especialistas em técnicas de imagiologia, para auxiliarem nos testes do medicamento durante o seu percurso, desde a administração até chegar ao cérebro, mas também na avaliação da sua eficácia contra metástases. No total, a equipa é composta por investigadores das áreas de manipulação de anticorpos, transporte de medicamentos do sangue para o cérebro, replicação de doenças humanas em animais e triagem de novos medicamentos no corpo.
“Fintar” a proteção do cérebro
O medicamento que está a ser desenvolvido é um anticorpo que foi alterado para conseguir chegar mais facilmente ao cérebro. “O cérebro tem uma composição muito sensível e está muito protegido pelo organismo. Essa proteção assenta muito no facto de apenas poucas moléculas, muito criteriosamente selecionadas, poderem atravessar as paredes das artérias, passando do sangue para o cérebro”, esclarece Miguel Castanho.
É desta forma que o cérebro fica a salvo de toxinas e outras moléculas ou agentes patogénicos agressivos que possam entrar em circulação. Contudo, a sua equipa encontrou uma forma de “fintar” esta proteção e conseguir modificar fármacos para os fazer chegar ao cérebro. Já o grupo de investigação de João Gonçalves descobriu como fazer com que anticorpos se liguem a células metastáticas, incluindo as triplo negativo, que não são reconhecidas por outros fármacos.
Mas como vai funcionar este medicamento?
Depois de o fármaco modificado entrar na circulação sanguínea, parte dele vai chegar ao cérebro. Caso encontre células de cancro de mama que se tenham desprendido e estejam em circulação ou que já se estejam a alojar no cérebro, o novo fármaco vai ligar-se a elas e matá-las, impedindo que venham a formar metástases. “Ainda que já estejam metástases formadas, o medicamento continuará a ligar-se e a matar as células tumorais”, esclarece o investigador.
O projeto está, neste momento, em fase de execução e vai, durante quatro anos, avaliar a validade desta nova abordagem. “Caso seja bem-sucedido, vai haver, depois, um período de testagem de segurança e eficácia em relação a formas de administração e dosagem, por exemplo. Só depois se seguirão as fases de regulamentação”, remata Miguel Castanho, acrescentando que é importante manter a esperança de vir a conseguir-se uma solução para um problema “de grande angústia e sofrimento”.
Este projeto candidatou-se a um financiamento conjunto da Fundação la Caixa e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, e foi um dos vencedores.