Qual o método contracetivo mais utilizado em Portugal?
Continua a ser a pílula e em todos os grupos etários.
Mas não é o mais utilizado no mundo?
Não, o mais utilizado no mundo é o dispositivo intrauterino (DIU).
Porque é que em Portugal é a pílula?
Penso que tem a ver com a história do planeamento familiar em Portugal. Tivemos a pílula muito cedo, passados três ou quatro anos depois da sua introdução no mercado mundial, e houve, nos anos 1970, um grande desenvolvimento das consultas de Planeamento Familiar. Nessa altura, os métodos contracetivos disponíveis eram a pílula, que era a grande novidade, e os DIU de cobre que criaram ao longo do seu tempo de utilização alguma má fama.
Provocavam muitas infeções – eram diferentes daqueles que se utilizam hoje –, recomendava-se que não deviam ser utilizados por mulheres que ainda não tivessem tido filhos, dizia-se que as infeções poderiam dificultar a fertilidade futura e, tudo isto, criou uma série de mitos relativos aos DIU de cobre. Isso terá levado a que a maioria das mulheres portuguesas optasse pela pílula, era um método inovador que tinha alguns benefícios extra. A partir daí criou-se esta cultura das mulheres usarem a pílula.
Tornou-se mais um hábito em vez de se procurar outro método de contraceção?
Hoje em dia tentamos chamar a atenção de que existem métodos de longa duração. Qual é o risco da pílula? É um método dependente da mulher e de toma diária, se bem que já existem os adesivos e os anéis vaginais, mas a grande maioria usa a pílula oral diária, e isso leva a que haja esquecimentos e, consequentemente, um abandono.
Esta situação é mais grave nos grupos mais jovens, onde o abandono é superior. Por isso, lembramos que há métodos que duram três, cinco ou sete anos, que são extremamente eficazes e independentes da vontade da utilizadora.
O método de contraceção ideal existe?
Não, isso era ótimo para as mulheres, mas não existe. Até porque o ideal para uma pode não ser para a outra. Ainda existe uma percentagem de mulheres que considera que as suas necessidades contracetivas não estão satisfeitas. Isto varia de país para país, mas em Portugal, segundo as últimas avaliações, feitas em 2020, 9% das mulheres não se consideram satisfeitas.
Por isso é que é tão importante que, quer nas consultas de cuidados primários, quer na parte hospitalar, seja feito aconselhamento. É preciso saber o que a mulher pretende a nível de contraceção e que o profissional de saúde perceba o que pode ser elegível para ela, pode ter alguma patologia que seja contraindicada para determinado método.
Que mitos ainda subsistem à volta da segurança da pílula?
Surgiu recentemente um mito novo relacionado com a utilização de hormonas por parte das mulheres, para que mantenham as suas características hormonais inalteradas. Passa pela noção de que menstruar menos ou utilizar a pílula pode fazer mal, o que é um mito. A pílula tem alguns efeitos extra-contracetivos que são extremamente importantes para algumas mulheres.
Reduzir o fluxo menstrual não tem qualquer significado em termos de patologia, pelo contrário, têm menos anemia e menos dores durante a menstruação.
Ainda existe o mito de que a pílula altera o peso, que provoca ou acelera determinadas doenças, como o cancro da mama. Também, recentemente, e associado aos fenómenos trombo-embólicos relacionados com as vacinas contra a Covid-19, falou-se outra vez muito da pílula.
Existem muitas gravidezes não desejadas?
Continuam e existir muitas gravidezes não planeadas, prefiro esta denominação. Em termos mundiais, cerca de 49% das gravidezes não são planeadas, mas nem todas se tornam não desejadas porque muitas mulheres acabam por seguir com a gravidez. Há muitas que são mesmo não desejadas e terminam com a interrupção voluntária da gravidez.
Em Portugal, desde que existe a lei da interrupção voluntária da gravidez (em 2007), o número de abortos tem vindo a diminuir. Nessa altura eram cerca de 20 mil interrupções por ano, em 2020 houve cerca de 14 mil.
A que se devem estas gravidezes não planeadas?
Uma parte delas é porque as mulheres não utilizaram métodos contracetivos – por várias razões, sejam culturais, religiosas ou porque acham que as hormonas fazem mal – e outra porque utilizam mal, ainda existe muita iliteracia nesta área.
Ainda existe desigualdade no acesso aos métodos contracetivos?
Sim, existe dificuldade e desigualdade no acesso. Se nos grandes centros urbanos uma mulher tem vários locais por onde escolher, sejam os cuidados de saúde primários ou num hospital privado, no interior isso não acontece.
A dificuldade de acesso aos métodos contracetivos é maior na população mais jovem, as adolescentes têm dificuldade, por exemplo nos locais onde não há centros de atendimento para a sua faixa etária, em deslocarem-se ao seu centro de saúde onde todas as pessoas as conhecem para ir buscar a pílula.
Por vergonha, então?
Muitas adolescentes não partilham com os pais que iniciaram a sua vida sexual. É cultural. Eu faço consultas na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, e, quando as meninas vêm com os pais, têm dificuldade em verbalizar.
Este ano, no dia Mundial da Contraceção, vamos exatamente focar-nos na dificuldade, a nível global, que algumas populações mais jovens têm no acesso aos métodos de contraceção. Nalguns países da Europa, nomeadamente do leste, as raparigas que não são casadas não têm acesso à contraceção, nem lhes é permitido comprar.
“Muitas adolescentes não partilham com os pais que iniciaram a sua vida sexual “
Em 2010 houve 4 052 nascimentos de mães adolescentes (entre os 13 e os 19 anos), em 2015 foram 2 295 e, em 2020, 1 763. Em 10 anos houve um decréscimo de 56%. É uma boa notícia. A que se deve esta diminuição?
É uma excelente notícia, até porque esta diminuição não foi acompanhada de um aumento de interrupções voluntárias da gravidez. O número de mães adolescentes tem diminuído gradualmente desde a década de 1990.
Neste momento, temos uma taxa de natalidade muito invejável nestas mães, a taxa Europeia anda à volta dos 8% por mil nascimentos, e a nossa é de 6,6% por mil.
O conhecimento das jovens tem melhorado, assim como a educação sexual nas escolas, se bem que ainda possa ter muitas deficiências.
Também temos de nos lembrar que nem todas as gravidezes na adolescência são problemáticas, algumas podem ser um projeto de vida, nomeadamente nalgumas culturas, como é o caso da etnia cigana.
Em que ponto está a política de saúde sexual e reprodutiva em Portugal?
Temos de melhorar a literacia em saúde sexual e reprodutiva, a educação sexual nas escolas, facilitar o acesso à informação desmistificando alguns mitos e, claro, facilitar o acesso aos métodos contracetivos.