Mais de um ano depois de a Organização Mundial da Saúde ter decretado que o mundo se debatia com uma pandemia, não era claro para todos quais as melhores políticas a adotar – nem quais surtiriam melhores resultados. Mas agora já é possível olhar para o globo e para os efeitos da Covid-19 e tentar compreender as razões para certas estratégias se terem revelado mais adequadas em determinados países.
Essa a premissa da repórter da BBC, Jane Corbin, quando se lançou neste empreendimento. Depois de auscultar as prioridades dos responsáveis e altos funcionários da saúde, acabou a elencar áreas-chave que se revelaram mais eficazes na contenção do SARS-CoV-2 e na prevenção de mortes. A saber:
- Ação precoce e eficaz a controlar fronteiras e monitorizar entradas no país;
- Teste e rastreio de todo os suspeitos de infeção;
- Apoio social para quem está em quarentena;
- Liderança incontestada acompanhada de uma comunicação consistente e oportuna.
“Ninguém pode afirmar que acertou em tudo. Mas há pontos comuns nas mais políticas mais bem-sucedidas que permitem avançar com algumas explicações”, defende Corbin, avançando que, tudo junto, bem poderia tornar-se um “manual para gerir futuros surtos de doenças infeciosas”.
Primeiro passo: preparação
Oiça-se a história de Stanley Park, que vive em Seul, na Coreia do Sul. Quando foi buscar a filha, Joo Yeon, ao aeroporto, em vez de correr a abraçá-la, leva-lhe uma máscara e um frasco de spray desinfetante. Ora esta não é a primeira vez que Stanley vive algo do género, e lembra-se bem da devastação e do medo que o surto de MERS (sigla inglesa para síndrome respiratória do médio oriente) impôs no sudeste asiático em 2015. “É uma experiência com a qual o país aprendeu”, sustenta, lembrando que logo o governo empreendeu uma série de reformas para preparar a resposta a emergências de saúde pública. Daí que, quando o coronavírus se espalhou, o desempenho da Coreia sobressaiu claramente dos demais países, tendo conseguido achatar a curva rapidamente, sem fechar empresas ou implementar restrições mais rigorosas a nível nacional.
A verdade é que, mal chegou de Atlanta, Joo, a filha de Stanley, cumpriu uma quarentena rigorosa de duas semanas em casa dos pais, descarregou uma aplicação que rastreia todos os seus movimentos e recebeu seis chamadas de controlo por parte das autoridades. Levou a sua quarentena tão a sério que não foi sequer ao jardim, ao fundo da rua. “Desde o início, pusemos em prática medidas de prevenção minuciosas para impedir que voltasse a acontecer o que vivemos com a MERS”, sublinhou o primeiro-ministro sul-coreano Chung Sye-kyun, a rematar: “A história repete-se e as pessoas devem saber o que fazer, sem dúvidas…”
Segundo passo: testar, localizar, rastrear
“É um momento muito difícil porque não sabemos se as pessoas estão ou não infetadas”. O desabafo era de David Hodges, médico de clínica geral no nordeste de Inglaterra, e resumia o sentimento geral no país em março de 2020. “Podemos ter centenas, milhares de casos e não sabemos…” O país e o mundo (ou alguma parte dele) já tinham decretado confinamentos, mas faltava capacidade de fazer testes na comunidade. Já na maioria dos países asiáticos, o rastreio dos contactos de infetados começara em… janeiro. Alguns hospitais estavam já dedicados em absoluto à Covid-19: desde o momento de fazer teste até ao tratamento. Os resultados da testagem são dados em poucas horas, em vez de demorarem um ou mais dias – e há uma equipa de rastreio a acompanhar cada caso suspeito.
O melhor? Estava tudo a postos e pronto a funcionar ainda antes de o país ter um caso confirmado de Covid-19: “Ao adotarmos esta estratégia, conseguimos resultados significativos”, congratula-se Chung Sye-kyun, o primeiro-ministro da Coreia do Sul, um país de 52 milhões de pessoas que registou apenas 1 693 mortos provocados pela pandemia.
Terceiro passo: apoio social durante a quarentena
“Convencer as pessoas a ficarem em casa é a principal razão pela qual conseguimos conter a Covid”, salienta Usha Kumari, uma de 30 mil voluntários de saúde social acreditados para trabalhar na comunidade em Kerala, na Índia. O seu papel, conta Kumari, tem sido o de assegurar que todos os que precisam cumprir isolamento o fazem em condições: faz-lhes as compras, leva-lhes os medicamentos e tudo o mais que possam precisar, de forma a que não que não tenham de sair de casa e furar o confinamento.
Mas o apoio a quem está em quarentena não acaba aí. As cozinhas comunitárias têm igualmente fornecido até 600 refeições gratuitas a quem se auto isolar e têm ainda sido oferecidos serviços de saúde mental desde o início da pandemia. Além disso, foi concedida ajuda financeira e, em alguns casos, as faturas foram temporariamente congeladas.
Segundo o responsável da saúde daquela região, KK Shailaja, foram lições importantes que retirou há três anos quando o país teve de lidar com o surto mortal de Nipah – insistindo que, ao assegurar apoio a quem podia ficar em casa, foi possível controlar a propagação e evitar que os hospitais ficassem sobrecarregados. Assim, apesar da sua população de 35 milhões, Kerala passou de “zona com o maior número de casos na Índia”, em março de 2020, para uma das zonas com “as mais baixas taxas de mortalidade de Covid-19 no mundo”.
Quarto passo: proteger os idosos
Foi no início de abril que a médica de saúde pública Lisa Federle começou a fazer testes em lares na cidade de Tübingen, no estado alemão de Baden Württemberg, com o objetivo de manter o coronavírus longe e permitir visitas a quem estava ali acolhido. Nas semanas anteriores, tinha sido público o que acontecera à população mais idosa em Itália e em Espanha – e, perante isso, o empenho do autarca local, Boris Palmer, foi exatamente o de construir um escudo especial de proteção para aquelas pessoas, reforçando o orçamento da cidade para dar prioridade aos cuidados e apoio à população idosa. Com serviço de táxi subsidiado, máscaras gratuitas entregues em lares e horários especiais de compras. Resultado? O hospital local recebeu menos doentes de Covid-19 e não foi forçado a cancelar outros procedimentos médicos.
“Quando se trata de lares de idosos, sabemos que se trata de pessoas mais vulneráveis e isso não deveria ter sido uma surpresa”, sustenta o perito da OMS Dale Fisher, especialista em doenças infeciosas que visitou o epicentro do surto em Wuhan, China, logo no início de 2020. “Tornou-se óbvio que, nos países onde os lares de idosos não foram devidamente protegidos, o número de mortes foi mais significativo”.
Quinto passo: estratégia de vacinação
Israel segue na frente da vacinação a nível mundial, seguida de perto pelo Reino Unido e Estados Unidos – mas os outros não estão a ser tão bem-sucedidos e há várias razões para isso. Uma delas chama-se planeamento. No Reino Unido, por exemplo, os responsáveis da saúde e assistência social começaram a planear um programa de vacinação em massa antes mesmo de haver confirmação do primeiro caso Covid-19 no Reino Unido. No Verão, o governo britânico já tinha um contrato assinado para receber 100 milhões de doses da vacina Oxford-AstraZeneca e 30 milhões de doses da vacina Pfizer-BioNTech. Resultado? Enquanto no resto da Europa, onde os contratos das vacinas foram feitos três meses depois, apenas 8 por cento receberam até agora uma vacina, no Reino Unido, aquele valor sobe para está nos 36 por cento. No mundo em desenvolvimento, a situação ainda é pior: apenas um punhado de países africanos já iniciaram as suas campanhas de vacinação.
O pior disso tudo, como também sublinha Corbin, é que a vacinação tem se ser um esforço internacional – ou multiplica-se ainda mais o risco de o vírus sofrer mutações, como já aconteceu na África do Sul e no Brasil, criando novas variantes mais transmissíveis que possam comprometer o procedimento a nível global. “Não podemos fazer de conta que não aprendemos nada nestes 12 meses”, insiste ainda o especialista da OMS Dale Fisher. “Fomos duramente atingidos e pagámos um preço elevado. Uma das piores coisas que podemos fazer é, quando isto acabar, voltarmos ao normal. Se não aprendermos com isso, então a história vai mesmo repetir-se”.