Está a trabalhar num laboratório da Universidade Pública de Estocolmo, na Suécia, onde continua a investigar os mistérios do emagrecimento. Jorge Ruas foi, em tempos, notícia em todo o País e considerado o “português que descobriu uma substância que ajuda a perder peso”. Trata-se do ácido quinurénico que atua nas células adiposas levando a uma perda de peso. E o exercício físico, garante o investigador, faz aumentar a sua produção. A investigação foi publicado na revista científica Cell Metabolism, em 2018, mas agora o cientista, está “a tentar perceber quais são os efeitos do acido quinurénico no sistema imunitário e de que forma contribuem para a perda de peso”.
Descobriu uma substância que ajuda a perder peso. Que substância é?
É o ácido quinurénico, um dos vários produtos de transformação do aminoácido triptofano. O triptofano é um aminoácido “essencial”, ou seja, que o corpo humano não consegue produzir e que é obtido através da dieta. Uma vez ingerido, o triptofano é usado para produzir outras substâncias, como a serotonina e a melatonina, que no cérebro controlam processos relacionados com o ânimo e o sono, respetivamente.

Segundo o seu trabalho, o exercício físico faz aumentar a produção deste ácido.
O exercício físico repetido (ou treino) faz aumentar nos músculos a quantidade de umas enzimas/proteínas que conseguem produzir ácido quinurénico (chamam-se KATs, kynurenine aminotransferases). Os níveis destas KATs são baixos em indivíduos não treinados ou que não se exercitam regularmente, por isso a capacidade de produzir ácido quinurénico aumenta com o treino. Na realidade, o triptofano é primeiro convertido numa outra substância, a quinurenina, que é produzida no fígado e que se acumula no cérebro e está relacionada com doenças como a depressão. Em indivíduos que se exercitam regularmente os músculos (que representam quase metade da massa corporal de uma pessoa) retiram quinurenina da circulação e transformam-na em ácido quinurénico. Por isso são dois ganhos: primeiro, evita-se a acumulação da quinurenina no cérebro, o que confere proteção contra certas doenças e, segundo, produz-se ácido quinurénico que (em modelos animais) verificamos induzir perda de peso por redução do tecido adiposo.
Como descobriu que ajuda a perder peso?
Ao verificarmos que os músculos exercitados reduzem a acumulação de quinurenina em circulação e no cérebro, constatámos que o exercício aeróbico aumenta os níveis de ácido quinurénico mesmo em indivíduos saudáveis. Isto foi verificado em modelos animais e em seres humanos. A curiosidade foi, então, a de tentar perceber se este aumento nos níveis deste ácido tinha algum papel na fisiologia humana, ou se era só um produto da degradação de quinurenina.
O que sucedeu nos estudos em animais?
Organizámos um estudo em modelos animais, aos quais demos uma dose diária de ácido quinurénico (sem exercício, só a administração do ácido uma vez por dia). Ao fim de uma semana, o peso dos animais ainda estava igual mas a quantidade de tecido adiposo já tinha começado a diminuir. Continuámos o estudo durante quatro semanas e, ao fim da segunda, já se observa uma diminuição do peso. É importante dizer que isto foi observado sem mudanças na quantidade de alimentos ingerida pelos animais (ratinhos ou murganhos) ou na sua atividade motora.
Ou seja, este ácido atua nas células adiposas, onde a gordura é armazenada?
Sim.
Qual o efeito do ácido nas células?
Como os animais começaram a perder peso sem diminuir a quantidade de comida ingerida e sem aumentar a atividade, não sobravam muitas hipóteses para investigar (a energia ingerida pelos alimentos ou é utilizada – atividade – ou é armazenada).
Quais seriam a outras hipóteses?
Uma das hipóteses seria que, por algum motivo, o ácido quinurénico diminuísse a absorção dos alimentos, mas não vimos nenhuma indicação disso. A outra relaciona-se com a ativação de um tipo especializado de adipócito (célula adiposa) chamado adipócito “castanho”. Estes adipócitos castanhos são especializados em acumular gordura que depois “queimam” (oxidam) para produzir calor. O tecido adiposo castanho existe para, por exemplo, ajudar os organismos a manterem a temperatura corporal quando expostos ao frio. Hoje em dia existe um grande interesse cientifico e terapêutico em tentar encontrar substâncias que aumentem a quantidade e a atividade do tecido adiposo castanho, pois poderão ser úteis como compostos antidiabéticos e antiobesidade. A nossa descoberta foi precisamente que o ácido quinurénico ativa um recetor (uma proteína chamada GPR35) presente na membrana de algumas células adiposas e faz com que elas se tornem adipócitos “castanhos”. Desta maneira, estes adipócitos “queimam” mais gordura e o tecido adiposo diminuiu. Força o organismo a queimar gorduras.
Ajuda a queimar calorias?
Sim. Os treinos aumentam a produção do ácido que queima calorias.
O impato do exercício no emagrecimento resulta só desse ácido?
Este é um dos processos, existem vários outros. O mais clássico tem que ver com a necessidade de energia que o músculo requer quando se exercita. Durante o exercício, o músculo usa ácidos gordos e glucose (gordura e açúcar). Os ácidos gordos são fornecidos pelas reservas do tecido adiposo. O mecanismo que nós descobrimos é complementar a este. E é um mecanismo que integra dois dos muito efeitos benéficos do exercício “uma mente sã num corpo são”. À medida que o músculo elimina a quinurenina (mente sã), produz ácido quinurénico que ajuda a eliminar reservas de gordura e também a manter um sistema imunitário ativo (corpo são).
Esse seu trabalho pode vir a dar origem a um medicamento para emagrecer?
Eu gostava que sim, mas o meu laboratório não tem a capacidade nem a especialização para fazer estudos clínicos deste tipo. Será preciso que grupos de investigação com essa capacidade o façam. Seria, sem dúvida, muito interessante confirmar se o ácido quinurénico tem mesmo efeito antidiabético e antiobesidade em seres humanos.
Porque se dedica a esta área do emagrecimento?
O meu laboratório está interessado em perceber porque o exercício físico é tao eficaz na prevenção e no tratamento de algumas doenças. Sabemos que é, mas quais são as moléculas envolvidas nos efeitos benéficos do exercício? Por isso, estamos interessados em todas as situações e doenças em que se sabe empiricamente que o exercício pode ajudar. Obesidade e diabetes, perda de massa muscular que vem com, por exemplo, imobilização prolongada ou mesmo com a idade, doenças musculares, doenças neurológicas, etc.
(Artigo publicado na VISÃO Saúde nº12, de junho/julho de 2020)