Num estudo recente, um grupo de investigadores do King’s College de Londres concluiu que, apesar de os efeitos secundários da vacinação não serem preocupantes, eles eram mais acentuados na segunda dose da vacina. Nesta dose, mais pessoas sentiram dores, febre, dores de cabeça ou arrepios, segundo os dados recolhidos pela sua aplicação. Ao longo destes últimos dias, relatos semelhantes têm-se multiplicado – investigadores de todo o mundo afirmam que os efeitos secundários na segunda dose não só são mais comuns, como mais intensos .
No entanto, a ciência dita que não há razões para preocupação – há uma explicação lógica para os efeitos secundários da segunda dose, que já começou a ser administrada aos mais de 30 mil profissionais de saúde prioritários em Portugal.
Os efeitos secundários após a vacinação são, em geral, esperados. Na verdade, são a prova de que o sistema imunitário está a preparar uma resposta e que assim estará melhor preparado para combater uma infeção se o corpo entrar em contato com o vírus. Assim, é provável que a segunda dose da vacina tenha efeitos secundários mais fortes, uma vez que esta traz consigo o impacto da primeira dose. Com a segunda injeção, o nosso sistema imunitário já reconhece o “ataque” e começa a levá-lo ainda mais a sério. Este ato de repetição do nosso corpo, por muito desconfortável que possa ser – com febre, dores de cabeça ou arrepios – é sinal que este está a solidificar as suas defesas contra o vírus da Covid-19.
Porque é que a segunda dose origina efeitos secundários mais fortes?
Quando o nosso sistema imunitário entra em contacto com um vírus, as suas células e moléculas memorizam as características deste, de forma a poder combatê-lo de forma mais eficaz no futuro. Através de uma molécula genética chamada mRNA, as vacinas da Pfizer e da Moderna conseguem obter este mesmo efeito no nosso corpo sem injetar o vírus verdadeiro, mas sim uma “cópia.” Assim, o objetivo desta terapia com mRNA é ensinar o sistema imunitário a criar as suas defesas contra o novo coronavírus.
No entanto, apesar da sua eficiência, as vacinas mRNA acabam por introduzir um processo estranho nos nossos corpos. De forma a assegurar uma passagem segura da mRNA para as células, os produtores de vacinas tiveram de envolver estas moléculas numas esferas gordurosas chamadas “nanopartículas lípidas.” Estas esferas, que não se assemelham a nada que exista no corpo humano, acabam por tropeçar nos sensores das células imunitárias, que patrulham o corpo à procura de matéria estranha – aí, o nosso corpo reage através do envio de alarmes moleculares chamados citoquinas. Os efeitos secundários resultam precisamente deste choque – o que pode explicar o porquê de a vacina da Moderna, que tem três vezes mais material genético que a da Pfizer, ter apresentado mais efeitos secundários nos seus testes clínicos.
Esta reação, apesar de por vezes originar certos choques para o corpo, não é prolongada: após um ou dois dias, as células desistem da sua perseguição e passam o “testemunho” para outra divisão do sistema imunitário, chamada imunidade adquirida. Esta divisão é constituída por células que produzem anticorpos – as células B e T -, que irão lançar um ataque contra agentes patogénicos caso tentem infetar o corpo novamente.
Contudo, as células B e T levam alguns dias a estudar as características dos picos de proteína antes de conseguirem responder. Por isso, quando a segunda dose da vacina chega ao corpo, elas reagem mais rapidamente e de forma mais robusta do que na primeira dose, uma vez que já estiveram expostas anteriormente à mRNA, podendo estudá-la. Este segundo ataque pode resultar numa nova onda de inflamações, que causará febre, dores e cansaço prolongado.
Assim, há que ter em conta que este segundo ataque mais violento é bom sinal – significa que o sistema imunitário está a responder devidamente, ao memorizar as características do pico de proteína do coronavírus. Essa é também a razão pela qual uma segunda dose é tão importante, explicou a imunologista Mark Slifka à revista The Atlantic: “Apesar de a primeira dose estimular a imunidade do sistema, a segunda injeção relembra as células B e T de que a ameaça do coronavírus não deve ser tratada de forma leve, assegurando uma reposta rápida e forte dos agentes de imunidade em futuras ocasiões.”