Há quem passe dias e dias a sentir o mundo às voltas: “Muitas vezes, sou confrontado com doentes a quem foi dito que tinham de se habituar, de se resignar, que nada havia a fazer”, conta Leonel Luís, otorrinolaringologista do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Santa Maria, do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. Alguns pacientes, garante, chegam às consultas após “vários anos sem saírem de casa, confinados às suas camas e aos seus sofás”. Outros, acrescenta, “ficam anos e anos a sofrer episódios diários de vertigem, quando poderiam ser facilmente evitáveis por serem um tipo de vertigem cujo tratamento é não só fácil como também rápido. O problema, alerta o médico, é o desconhecimento que existe em relação a este sintoma, que resulta de várias doenças. O médico explica tudo sobre as vertigens: as causas, os tratamentos e a forma de as prevenir.
1 – Quantos tipo de vertigens há?
A vertigem é a ilusão de movimento quando não há movimento ou a perceção de um movimento diferente daquele que está realmente a ocorrer. Esta ilusão é reconhecida por todos como estranha, desagradável e causadora de ansiedade e medo. Existem dois grandes tipos de vertigem: a vertigem espontânea, que surge espontaneamente, e a vertigem que é desencadeada por um estímulo, como a mudança de posição (deitar, levantar, rodar), estímulos visuais (luzes, carros e pessoas a passar, como, por exemplo, num centro comercial), estímulos sonoros, etc.
2 – Quais os sintomas?
Os sintomas são transversais e os mais relevantes são claramente as náuseas e os vómitos, associados à ilusão de que estamos a rodar, a cair, ou a ser puxados para um dos lados (lateropulsão). Depois, podem surgir também a perda de audição, a sensação de ouvido(s) cheio(s), os zumbidos e as dores de cabeça
3 – Quais as causas?
A principal causa é a VPPB (vertigem posicional paroxistica benigna) conhecida mais comummente como a doença dos cristais. Esta doença é causada pela deslocalização dos cristais (otocónias) dentro do ouvido interno. Ou seja, esses cristais saem do órgão que deteta a gravidade (o utrículo) para os órgãos que detetam a rotação da cabeça (os canais semicirculares). Outra causa de vertigem é a enxaqueca vestibular. Há muitas outras causas, como a nevrite vestibular, por exemplo, que é causada pela inflamação do nervo vestibular, como resultado da reativação de um vírus herpes. E a doença de Ménière resulta do aumento da pressão no ouvido interno, como se de um “glaucoma do ouvido” se tratasse.
“Caminhar na rua diariamente durante, pelo menos 30 minutos parece ser a medida que transversalmente mais contribui para o nosso equilíbrio”
Leonel Luís
Otorrinolaringologista
4 – Como se tratam as vertigens?
No que se refere à doença dos cristais, o tratamento consiste em reposicionar estes cristais no ouvido interno, fazendo-os sair dos canais semicirculares para o utrículo. Esta doença tem uma grande vantagem em relação a outras doenças conhecidas, pois o seu tratamento é possível de ser alcançado imediatamente após o diagnóstico correto, e sem recurso a qualquer medicação. Finalmente, e para que esse tratamento seja eficaz, temos de identificar com exatidão em que canal semicircular é que os cristais estão deslocalizados, de forma a podermos traçar o caminho para os recolocar no órgão a que pertencem (o utrículo). Quando a causa é uma enxaqueca, tem de se apostar na prevenção e no tratamento das dores de cabeça. Já na nevrite vestibular, o tratamento consiste na administração de potentes anti-inflamatórios. Na doença de Ménière, o tratamento consiste na redução da pressão com medidas gerais e medicamentosas, sendo raramente necessário o recurso ao tratamento cirúrgico. Já no caso dos tumores e dos defeitos do revestimento ósseo do ouvido interno, o tratamento é Frequentemente cirúrgico.
Em conclusão, o tratamento é sempre dirigido à causa da vertigem. Para se conseguir isso, é necessário obter um diagnóstico através da realização de um questionário sistematizado, uma observação clínica rigorosa e, em casos muito pontuais, recorrendo a exames complementares. Não há um tratamento ou medicamento universais.
5 – É possÍvel viver sempre com vertigens? Há algo que se possa fazer para evitar?
A prevenção, assim como o tratamento da vertigem, depende sempre da sua causa. Se esta é a enxaqueca, devemos tomar as medidas que previnam a enxaqueca (dormir bem, ter uma dieta saudável, evitar o stresse e mesmo recorrer à toma de medicamentos); se for a VPPB, manter níveis corretos de vitamina D e evitar os desportos de contacto. Se há uma regra geral, será a de que devemos ter uma vida saudável e ativa: caminhar na rua diariamente durante, pelo menos, 30 minutos parece ser a medida que transversalmente mais contribui para o nosso equilíbrio.
6 – Quem tem vertigens, o que pode fazer para diminuir o desconforto?
Procurar rapidamente ajuda médica especializada, habitualmente um médico otorrinolaringologista com competência em otoneurologia. A administração de medicamentos que inibem as náuseas e os vómitos é essencial, pois muitas vezes é o sintoma associado que causa maior desconforto. O repouso está também aconselhado, mas tão cedo quanto possível devemos incentivar o levante, bem como a atividade física adequada e inserida num programa de reabilitação vestibular conduzido e supervisionado por uma equipa de médicos e fisioterapeutas especializados.
7 – O que se deve evitar para não agravar situação?
A administração de medicamentos sedativos e a inatividade estão contraindicadas, especialmente durante períodos prolongados. É muito importante que seja feito um diagnóstico rápido e correto. Há casos em que as tonturas podem, por exemplo, resultar de um tumor cerebral e ao atrasar o diagnóstico, atrasa-se o tratamento, o que pode pôr em risco a vida das pessoas. Outro exemplo bem ilustrativo da importância de um correto e rápido diagnóstico, é quando a vertigem resulta de um AVC. Nestes doentes, não valorizar a vertigem por se crer ser a tradução de uma situação benigna pode significar a diferença entre a vida e a morte. Em conclusão: é necessário não aceitar a inevitabilidade da doença. Para isso, qualquer doente que manifeste estes sintomas deve procurar centros especializados para ser tratado e conseguir voltar a viver a vida de modo pleno e capaz.