Apesar de não ser o único dado disponibilizado diariamente pela Direção-Geral da Saúde, o número de novas infeções por SARS-CoV-2 continua a ser o mais valorizado pela opinião pública. Mas será que continua a ser o mais relevante nesta fase da epidemia?
O médico de Saúde Pública Bernardo Gomes alerta que não se deve comparar o número de casos diários atuais com aqueles que foram registados no início da pandemia, apesar de os valores absolutos serem semelhantes. “Em março, era contabilizada uma pequena fração da realidade. Entretanto, houve uma mudança profunda no paradigma de vigilância epidemiológica e os dados são muito mais representativos do número total de casos”, esclarece o também docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
“Ao aumentamos a capacidade de testagem, é inevitável descobrirmos mais casos, o que não é necessariamente sinónimo de mais internamentos ou do aumento da mortalidade”, corrobora o investigador do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde da Universidade do Porto, Paulo Santos.
“Se 90% dos casos são ligeiros ou assintomáticos, então não devemos focar-nos no número absoluto de infeções, mas nos casos graves”, defende, relembrando que apenas cerca de 5% dos infetados precisaram de internamento.
Bernardo Gomes concorda com a necessidade de “nos libertarmos do número de casos como indicador nobre”. De acordo com a sua opinião, “os internamentos devem ser o indicador que nos deve guiar com maior prioridade”. Até mais do que os óbitos, que são um dado de fim de linha, “que não diz como as coisas estão a correr”.
O especialista em Saúde Pública acredita que o número de casos é mais relevante para avaliar o risco em contexto local. “Pode ser útil para as pessoas saberem qual o risco de contágio no seu concelho”, ilustra.
No entanto, o médico alerta que a correlação entre o número casos e o risco de contágio não é linear. “Se tivermos casos numa instituição sem exportação para comunidade, até podem ser 70 casos, mas o resto do concelho está tranquilo”, exemplifica.
Já os internamentos “dão uma noção da capacidade de encaixe [do Sistema Nacional de Saúde] ao longo da evolução da infeção”.