Cancro, doenças cardíacas, ansiedade… A lista dos efeitos nocivos do tabaco na nossa saúde parece interminável. Mas os especialistas insistem que devemos acrescentar mais um item a esse rol. Fumar regularmente, defendem, atrapalha, e muito, a nossa rotina natural do sono.
Segundo o Programa de Controlo do Tabagismo da Organização Mundial da Saúde, os fumadores portugueses correspondem a 20% da população. Pelas contas da Associação Portuguesa do Sono, há também cerca de 20% de portugueses com dificuldade em adormecer. Coincidência? Provavelmente, não.
“Não é uma relação óbvia para a maioria dos fumadores, porque estes consideram que fumar os acalma”, esclarece Eulália Gomes, psicóloga da consulta de Insónia no Hospital CUF Infante Santo. “A verdade é que se trata de uma droga que estimula o sistema nervoso”.
Como quem diz, a nicotina imita o efeito de um neurotransmissor chamado acetilcolina que responde ao stress. Assim, o que a sua libertação no nosso organismo faz é desencadear um quadro de ansiedade – e por isso é que, ao fumar um cigarro, a batida cardíaca aumenta. Ao mesmo tempo, potencia a libertação de dopamina – o que explica a sensação de prazer que os fumadores relatam. E depois, claro, com tanta agitação, quando chega a hora de dormir, o organismo muitas vezes resiste a entrar no tão necessário período de descanso.
Dificuldade em adormecer, mas não só
“Se o corpo está em alerta, por efeito do tal neurotransmissor que responde ao stress, é muito natural que se sinta uma maior dificuldade ao tentar dormir”, segue aquela especialista. Pior, quando finalmente se adormece, o resultado é um sono menos profundo – e por isso menos reparador.
Pode também dar-se o caso de se adormecer logo, mas acordar várias vezes durante a noite. Ou então despertar cedo demais e não conseguir voltar a pregar olho. Resultado? Pior qualidade de sono, pior qualidade de vida. “Acabamos por ficar mais irritados, com menos capacidade de concentração, tensão alta, propensão para acidentes…”
…e ainda risco de morrer durante a noite
A pandemia também abalou este universo. Em plena crise sanitária, e por estarem confinados, muitos portugueses aderiram a um estilo de vida mais saudável. A preocupação com a saúde fez também disparar a venda de fármacos para deixar de fumar. Está então na hora de falar de outros riscos do tabaco que também matam.
“Além de aumentar as arritmias e os enfartes, o fumo é também um dos grandes culpados pela roncopatia e esta evolui, demasiadas vezes, para a apneia do sono. E com isso o risco de morrer durante a noite”, assinala Susana Sousa, pneumologista que também integra a Unidade de Medicina do Sono da CUF.
A tudo isto há que acrescentar, sublinhe-se, o fator idade e o fator peso. Sobretudo a partir dos 50 anos – e mais nos homens do que nas mulheres porque nelas o peso acumula-se mais nas ancas e neles no tronco e no pescoço. “Daí o risco maior de obstrução das vias aéreas. E depois do colapso dos músculos, na parte posterior da garganta, durante o sono”, explica aquela pneumologista. Para logo acrescentar que os casos no feminino tendem a aumentar com a chegada dos 50 anos e da menopausa.
Sinais de que está na hora de consultar um médico? Se acorda cansado e adormece facilmente durante o dia, se sente mais arritmias, saiba que são evidências a não ignorar de que pode sofrer de apneia durante a noite, uma suspensão momentânea da respiração que também interrompe o sono. Ou mesmo, nos casos mais graves, a vida.