Lurdes Bessa, 61 anos, tem tudo para viver muitos anos. Familiares octogenários, uma vida social ativa, uma família unida e hábitos de vida saudáveis. Quando as dores de cabeça excruciantes que a molestaram durante uns meses foram identificadas como sendo metástases de cancro do pulmão, sentiu-se traída. Afinal, de que valeu não fumar, pouco beber e ir a pé, todos os dias, para a agência bancária onde trabalhava, na Baixa do Porto?
Valeu de muito. Os testes moleculares feitos à massa tumoral mostraram que Lurdes tinha a mutação característica das mulheres não fumadoras, uma alteração no gene EGFR, o que lhe permitiria fazer um tratamento oral, com muito menos efeitos secundários e com muito bons resultados em termos de sobrevivência. “Nestes casos, dizemos que a medicação é do modo chave na fechadura”, explica a pneumologista Bárbara Parente, que se tem dedicado ao tratamento do cancro do pulmão no Hospital Cuf Porto.
A especialista quer com isto dizer que o medicamento vai corrigir esta alteração que está na origem da proliferação das células doentes e permitir o controle da doença, que no caso de Lurdes Bessa estava na fase mais avançada, ou seja, estádio quatro. Há uns anos, Bárbara Parente fez um estudo em Portugal e chegou à conclusão de que 13% a 15% das pessoas com tumor do pulmão têm esta mutação (na Ásia, estes casos são muito mais frequentes, cerca de 40%).
“Quase sempre são mulheres, não fumadoras”, pormenoriza – um perfil que pode vir a mudar, tendo em conta que há cada vez mais mulheres a fumar, enquanto nos homens a percentagem de fumadores parece ter estabilizado. “Nestes casos e graças à terapêutica dirigida, conseguimos aumento do tempo livre de doença, melhor qualidade de vida e muito menos efeitos colaterais”, diz a médica. Este classe de medicamentos é conhecida como inibidores da tirosina-quinase e já vai na terceira geração. Quer isto dizer que, quando ocorrem novas mutações ou surgem resistências ao tratamento, há opções disponíveis.
Raramente, os doentes com cancro do pulmão chegam ao médico a tempo de serem operados. “É um tumor silencioso, assintomático durante muito tempo. Quando dá sinal é já em fase tardia, no estádio três ou quatro”, diz Bárbara Parente. “Só 25% dos doentes são operáveis.” É por isso que a médica não perde uma oportunidade para apelar a que não se fume. “Oitenta por cento dos casos de cancro do pulmão estão associados ao tabaco. Vale sempre a pena deixar de fumar.” E não só por causa dos tumores do pulmão, mas também pela associação a outros neoplasias, como da faringe, da ou da bexiga, e, claro, também pelo risco aumentado de doença cardiovascular. Apesar de todos estes incentivos, bem conhecidos, é muito difícil perder o hábito – “só 30% das pessoas que tentam deixar de fumar é que o conseguem fazer”, diz a médica. “Há uma forte dependência física e psicológica, e quando a pessoa não está verdadeiramente motivada para deixar o vício, nem vale a pena tentar.”
O cancro do pulmão continua a ser o tipo de cancro que mais mata em Portugal e no resto do mundo. São cerca de quatro mil novos casos por ano, com tendência de aumento. A par do crescimento de casos, também se verificou, nos últimos anos, o aparecimento de novas terapias que têm permitido aumentar os anos de vida dos pacientes. Na semana passada, em Portugal, o Infarmed aprovou uma nova forma de tratamento em primeira linha (ou seja, como primeiro tratamento): a combinação de imunoterapia (que passa pela estimulação do sistema imunitário para combater o tumor) e quimioterapia, para doentes com cancro do pulmão de células não-pequenas, o tipo mais comum.
Um inquérito da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, sobre os hábitos tabágicos durante o período de quarentena, indica que, numa amostra de mil pessoas, uma em cada quatro aumentou o consumo de tabaco durante o período de confinamento, mas um terço das pessoas aproveitou esta fase de reclusão para deixar de fumar ou reduzir o consumo de tabaco. Desde 1987 que a 31 de maio se celebra o Dia Mundial Sem Tabaco, definido pela Organização Mundial de Saúde como um dia para alertar para os riscos associados ao fumo.
O hábito que Lurdes mantém, há quatro anos, desde que começou a ser tratada para o cancro de pulmão, é o de tomar o seu comprimido, em jejum. Depois vêm as caminhadas, os passeios com a neta de cinco anos. “Com ela, faço planos todos os dias. É a minha grande razão de viver.”