Há um mundo empenhado na corrida à vacina e outro a tentar perceber de onde é que isto tudo veio. É natural: saber qual é a fonte de uma infeção é muito importante para evitar reinfeções futuras. Só que, mesmo depois de uma série de estudos celulares e testes em animais, ainda não foi possível determinar a origem do SARS CoV-2. E isso, de facto, intriga a comunidade científica.
Por ora, há fortes evidência de que o vírus teve origem nos morcegos – embora ainda não se saiba como é que saltou a barreira das espécies para chegar às pessoas. Por princípio, considerou-se que seria um vírus selvagem e que passou para as pessoas através de uma espécie intermediária.
Mas a verdade é que ainda ninguém detetou o vírus na natureza e isso acaba por dar gás às mais diversas teorias da conspiração. Como a que o presidente americano, Donald Trump, alimenta – depois de ter insinuado que o vírus foi criado num laboratório na cidade chinesa de Wuhan, onde o surto começou.
Já outros líderes mundiais estão a pedir mais investigação. União Europeia e dezenas de outros países apresentaram mesmo um documento à Organização Mundial da Saúde (OMS) que reivindica “missões de campo científicas e colaborativas”. Tudo para identificar, de vez, a fonte do vírus e compreender como é que chegou ao ser humano. Incluindo, claro, o papel de quaisquer hospedeiros intermediários.
Abertura, transparência e responsabilidade…
A reunião da assembleia da OMS agendada para analisar aquela proposta decorreu no início desta semana. Na abertura dos trabalhos, e depois de ter sido acusado de esconder informação, o presidente da China, Xi Jinping, garantiu que apoiará uma “revisão abrangente” sobre a Covid-19. Mas, sublinhou ainda, “após o controle do surto”. Enfatizou ainda, segundo o The Guardian, que essa investigação deve ser conduzida de maneira objetiva e imparcial. E ainda assegurou que daria 2 mil milhões de dólares (qualquer coisa como 1,8 mil milhões de euros) às Nações Unidas, para ajudar na resposta global à pandemia. “Desde o início que agimos com abertura, transparência e responsabilidade”, afirmou ainda Jinping.
Nada que, para já, satisfaça a comunidade científica. “A única maneira de afirmar com confiança de que animal é que o vírus veio é encontrá-lo nessa espécie em estado selvagem”. O argumento é defendido por Arinjay Banerjee, especialista em coronavírus da Universidade McMaster, no Canadá, citado pela Nature. “Ou então estamos no campo das possibilidades.”
Depois, a forma como o vírus se espalhou entre as pessoas ainda complica mais os estudos. É que agora torna-se mais complicado provar que animal possa ter sido o hospedeiro intermediário, porque já se sabe que alguns animais foram infetados por pessoas. “É muito, muito complexo”, insiste Li Xingguang, que estuda a evolução viral na Universidade de Bioengenharia de Wuhan.
No rasto do morcego e de outros intermediários
Foi no final de janeiro que, depois de terem examinado o genoma deste coronavírus, os cientistas do Instituto de Virologia de Wuhan confirmaram que tinham encontrado um outro muito semelhante em morcegos. Chamado RATG13, era 96 por cento idêntico ao SARS-CoV-2 e tornava-se assim o seu parente mais próximo conhecido. O que também sugeria que o novo coronavírus tinha a origem naquele animal.
Mas os quatro valores percentuais de diferença, consideram outros cientistas, podem fazer diferença num caso destes. Pelo menos, é o que defende o biólogo computacional François Balloux e a sua equipa da University College of London, no Reino Unido. No seu entender, a divergência sugere, antes de mais, que o SARS CoV-2 pode ter passado para as pessoas através de uma espécie intermediária.
Os primeiros suspeitos de serem esses hospedeiros foram os pangolins – que, além dos morcegos, são os únicos mamíferos selvagens conhecidos por conviverem com coronavírus semelhantes a este. E isso faz com que essa hipótese não seja descartada.
Mas os cientistas estão a analisar outras possibilidades, em amostras de tecido armazenadas em laboratório. É o caso de AAaron Irving, especialista da Duke-NUS Medical School, em Singapura, que se prepara para trabalhar com a Academia Chinesa de Ciência e com a Universidade de Edimburgo. A ideia é analisar melhor não só o caso dos morcegos como também de outros mamíferos.
Pistas do genoma
Depois de se analisar o genoma do SARS COv-2 surgiram outras pistas – em duas espécies de cobras, por exemplo. Mas a hipótese foi rapidamente abandonada, depois de se perceber que o tamanho da amostra e os dados eram muito limitados. O padrão podia ser apenas um fruto do acaso.
Sabe-se ainda que muitas outras espécies podem ser infetadas. Numa série de outras experiências, tanto gatos como furões, macacos ou hamsters mostraram ser suscetíveis à SARS-CoV-2. Fora do laboratório, também animais como cães e gatos de estimação, tigres e leões em zoológicos foram infetados. E muito provavelmente por pessoas.
Os cientistas estão ainda a servir-se de modelos computacionais da biologia celular para investigar a suscetibilidade animal. Foi assim que descobriram um recetor igual em células de outros mamíferos, como ovelhas, chimpanzés e gorilas. Só que os modelos, depois, nem sempre têm equivalência com o trabalho de campo.
É o que sublinha a investigação até agora desenvolvido por Peter Dazzak, presidente da Eco Health Alliance, dos EUA, que andou nos últimos 15 anos pelos mercados de vida selvagem na China. Porque por ali a criação de animais em cativeiro convive regularmente com comunidades de morcegos. “As oportunidades para esses vírus se espalharem entre os animais selvagens, gado e seres humanos são claras e óbvias”, defende o investigador. “É uma ligação que está muito ativa.”