O que aguarda os recuperados da Covid-19, sobretudo os que estiveram ligados a um ventilador?
“É o maior problema dos tempos que aí vêm “, assume à Science Lauren Ferrante, médica pneumonologista e de cuidados intensivos da Faculdade de Medicina de Yale, nos EUA.
É que a Covid-19 não danifica apenas os pulmões. Já se sabe que afeta também os rins, os vasos sanguíneos, coração e cérebro, entre outros. Os especialistas ainda não sabem ao certo quais são os efeitos duradouros do vírus no nosso organismo, mas as pistas que têm não são nada animadoras.
Para já, estão a confiar nos dados de estudos sobre a pneumonia grave – uma infeção que inflama os pulmões, como faz a Covid-19. São infeções que podem progredir para a síndrome de dificuldade respiratória aguda (SDRA), levando os alvéolos a encherem-se de líquido. Muitos daqueles pacientes recuperam as funções pulmonares, embora essa recuperação possa levar a outros problemas respiratórios a longo prazo, sublinha a mesma médica.
O problema pode ainda agravar-se quando conjugado com outras doenças crónicas, agravando assim o risco de ataque cardíaco, acidente vascular cerebral e doença renal, acrescenta ainda Sachin Yende, epidemiologista e médico intensivista da Universidade de Pittsburgh, também citado pela Science. “Receamos um grande aumento daqueles eventos”, nota.
Consequências das terapias intensivas…
Já se sabe que os pacientes que passam algum tempo numa unidade de cuidados intensivos, independentemente da doença que os leva ali, são também propensos a um conjunto de problemas de saúde – tanto física, como cognitiva ou mental – após a alta hospitalar. É por isso que se receia pelos recuperados da Covid-19: quem teve lesão pulmonar grave passou algum tempo ligado a um ventilador, muitas vezes sob sedação profunda, descreve também Dale Needham, outro intensivista da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins. Os poucos pacientes que sobrevivem a longos períodos de ventilação são mais propensos a atrofia e fraqueza muscular. Manter um paciente gravemente doente em movimento – ajudando-o a levantar os braços e as pernas e, eventualmente, sentar, ficar em pé e andar – pode reduzir essa fraqueza e tirá-lo do ventilador mais rapidamente. Só que, em muitos hospitais, a escassez de equipamentos de proteção manteve os fisioterapeutas afastados dos pacientes com Covid-19.
Outro risco é o chamado delírio, um estado de pensamento confuso que pode levar a prejuízos cognitivos a longo prazo, incluindo déficits de memória, salienta Wesley Ely, pneumologista e médico intensivista da Universidade Vanderbilt.
Uma das causas, suspeita-se, é, claro, o próprio vírus que afeta o cérebro. Mas também se receia que os sedativos prescritos para suprimir a tosse violenta – e ajudar os pacientes a tolerar o desconforto de um tudo respiratório – também pode aumentar esse risco de delírio. E, como os hospitais carecem dos sedativos mais usados, acabam por recorrer a outros cujos efeitos secundários são mesmo “o delírio intenso e prolongado”, descreve Ely.
…e efeitos das unidades sobrecarregadas e do receio da infeção
A pensar em tudo isto, ao longo dos anos, Ely e os seus colegas desenvolveram uma série de diretrizes de atendimento ao paciente daquelas unidades – e que incluem uma interrupção diária de narcóticos e sedativos para testar se os pacientes podem acordar, respirar e tolerar o ventilador sem medicação. Mas a prática exige uma monitorização rigorosa, o que a torna quase impraticável em unidades sobrecarregadas. “Estamos todos a fazer o melhor. Mas não podemos esquecer o que aprendemos nos últimos 20 anos”, remata.
Agora, perante um vírus até há pouco desconhecido e uma doença nova, o receio de ficar infetado teve ainda o efeito de limitar as interações no leito dos pacientes. Entre elas, as que podem acalmar os pacientes e reduzir a necessidade de drogas indutoras do que os médicos apelidam de delírio.
“Estamos a falar de uma forma de cuidar das pessoas que pode ser muito danosa, em que a família não tem permissão para visitas, e os profissionais de saúde estão de máscara e vestidos de uma forma que é assustadora”, classifica Sharon Inouye, geriatra do sistema de saúde Hebraico SeniorLife da Harvard Medical School.
Esta perspetiva está até a levar alguns médicos dos cuidados intensivos a questionar as recomendações que indicam o uso do ventilador no início da doença. “Se sujeitarmos mais pessoas a ventiladores do que o necessário, isso certamente afetará a sua saúde após a recuperação”, concorda Terri Hough, um médico de cuidados intensivos pulmonares na Universidade de Washington, Seattle, também nos EUA:
Uma perspetiva de futuro
Agora que alguns hospitais começam a ultrapassar o surto inicial de casos, a investigação começa a tentar compreender melhor o que aí vem. Daí que a equipa de Ely esteja a testar um programa de reabilitação para pessoas que revelam algum tipo de disfunção cognitiva. Já a equipa de Yende procura delinear uma nova abordagem de atendimento a pacientes de pneumonia depois da alta hospitalar. Inclui monitorização e tratamento remotos, mas também visitas domiciliárias, para evitar a readmissão no hospital.
Outros estão a preparar-se para uma onda de problemas de saúde mental entre os sobreviventes da Covid-19 – entre eles, ansiedade, depressão e transtorno de stress pós-traumático. Hough e os seus colegas, por exemplo, estão já a testar um aplicativo móvel que promove a atenção e outros tipos de habilidades cognitivas nas pessoas que saem do hospital. A todos os sobreviventes de doenças críticas, a sua mensagem é muito curiosa: “Esta atitude de estarmos todos juntos no combate ao coronavírus pode realmente fornecer uma esperança que não existia antes.”