Massachusetts, EUA. O primeiro caso é de 1 de fevereiro. Um mês depois, há um aumento de casos considerável. No dia 10 de março, o governador declara estado de emergência. Em dois dias, a contagem dos infetados ultrapassa a barreira dos 100. Uma grande maioria tinha relação com a grande conferência da Biogen, uma farmacêutica que promovera um encontro de três dias na região. No fim da reunião, três dos funcionários davam positivo nos testes. Mas sintomas, nada.
A tentar descansar os colegas, quem ficou doente sublinhou que o vírus era sobretudo transmitido por pessoas que já tinham sintomas – como febre, tosse ou dificuldade em respirar. Num piscar de olhos, a ciência veio dizer que os assintomáticos também eram veículos de contágio. Agora, aquele caso do Massachusetts, secundado por uma série de estudos, está a sugerir que podem ser mesmo os principais responsáveis pela transmissão. Na sexta-feira, 13, estavam confirmados 67 casos só naquele Estado. No sábado, 15, já eram 138.
Durante semanas, as autoridades federais enfatizaram que a transmisão assintomática pode ocorrer, mas que não era um fator significativo na propagação do vírus. No início do mês, em direto para o This Week, programa da ABC, o secretário de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, Alex Azar, assegurou que a disseminação assintomática não era a principal forma de contágio. O site do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA fez eco dessa avaliação. São informações que, os mais recentes dados, não confirmam – pelo contrário.
Na conferência de imprensa que decorreu na Casa Branca este fim de semana, a coordenadora da resposta ao coronavírus, Deborah Birx, foi bem mais cautelosa. “Estamos a tentar compreender porque pessoas com menos de 20 anos não apresentam sintomas significativos. E até se perceber melhor como tudo isto funciona, será melhor todos compreenderem que o risco de doenças graves para os mais novos é baixo, mas parecem ser estes casos assintomáticos que estão a espalhar o vírus para outras pessoas”.
O papel da transmissão assintomática
Se é verdade que já se sabia que há transmissão feita por quem está sem sintomas, o que estes dados apontam é que essas pessoas poderão ser responsáveis por mais transmissão do que se pensava anteriormente. Ouvimos isso de Michael Osterholm, diretor do Centro de Pesquisa e Política de Doenças Infeciosas da Universidade de Minnesota: “A infeção assintomática pode alimentar uma pandemia de tal maneira que se torna quase impossível controlá-la”. E de William Schaffner, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Vanderbilt e consultor de longa data do CDC. “Eles [os assintomáticos] serão os impulsionadores da propagação na comunidade”. Ambos citados pela CNN.
De outros países chegam relatos muito semelhantes. Na semana passada, Sandra Ciesek, diretora do Instituto de Virologia Médica de Frankfurt, Alemanha, testou 24 passageiros recém-chegados de Israel. Sete deram positivo nos testes para Covid-19. Quatro desses não tinham quaisquer sintomas. Mas a carga viral das suas amostras era muito superior do que a dos três que já tinham febre, tosse e fraqueza generalizada.
A carga viral é, explique-se, uma medida da concentração do vírus nas secreções respiratórias de alguém. Quando alguém tem uma carga mais alta significa que tem mais hipóteses de espalhar a infeção para outros. E embora a investigadora do instituto alemão não tenha ainda publicado aqueles dados, fez divulgar uma carta no New England Journal of Medicine sobre o caso de duas pessoas que chegaram ao país vindos de Wuhan, na China, e deram positivo para este coronavírus.
Um não tinha quaisquer sintomas, o outro apenas uma leve erupção cutânea e uma leve dor de garganta. Mas no laboratório foi possível infetar facilmente uma cultura de células com as zaragatoas daqueles pacientes. “O que quer dizer que são portadores do vírus e capazes de infetar outros com muita rapidez. Mais do que pensávamos aaté agora.”
Recorde-se os dados dos primeiros estudos em larga escala, que recorriam a modelos matemáticos de surtos em Tianjin, China e Singapura. Ali já se apontava para quantidades significativas de propagação por pessoas que ainda não haviam desenvolvido sintomas. Ambos os estudos apareciam no MedRxiv, uma plataforma de pré-publicação de estudos fundada pela Universidade de Yale, pela revista médica BMJ e pelo Cold Spring Harbor Laboratory em Nova York. – e isso fez com que não se lhe prestasse muita atenção.
Agora, um estudo publicado este domingo por investigadores belgas e holandeses mostra que 48% a 66% das 91 pessoas do surto de Singapura contraíram a infeção a partir de alguém que era ainda assintomático. Em Tanjin, a percentagem variou entre 62% e 77 por cento. Tapiwa Ganyan, do Data Science Institute da Universidade de Hasselt, na Bélgica, e um dos autores desse estudo, assumiu que estes números ainda têm alguma incerteza. Mas há algo em que a investigação – esteja a ser feita na Holanda, no Canadá ou em Singapura – está cada vez mais segura: a infeção é transmitida em média 2,55 dias e 2, 89 dias antes do início dos sintomas.