Os médicos franceses Philippe Even e Bernard Debré tornaram-se famosos por denunciar a medicalização da sociedade.
No seu novo e polémico livro sobre medicamentos para as perturbações mentais, a dupla apresenta as conclusões a que chegou sobre a eficácia e os perigos das soluções farmacológicas.
Fomos ao encontro de Even, que nos esclareceu com a segurança própria de quem estuda medicamentos há cinco décadas, foi membro de comissões científicas de saúde e de investigação e representou o seu país na Comissão Europeia e nos Estados Unidos da América.
Faz sentido que esta análise crítica parta de dois médicos que não são psiquiatras?
Todas as especialidades são interdependentes e é perigoso deixar que cada uma se regule a si mesma. Os especialistas têm demasiadas ligações, interesses comuns e conivências. O mesmo sucede noutras áreas, como a política, nas quais uma análise imparcial não pode fazer-se internamente.
Quais os riscos reais dos psicotrópicos?
Vou ser claro: esquizofrenia, bipolaridade, transtorno obsessivo-compulsivos, autismo e depressões graves, que são psicoses, não devem ser acompanhadas por médicos de medicina geral.
Confio nas competências dos psiquiatras, com formação para prescrever neurolépticos pelo tempo necessário e na dosagem adequada para tratar cada um destes casos. Em França existem dez vezes mais depressões ligeiras e médias, que atingem quase 6 milhões de pessoas.
Na prática, são dificuldades de adaptação a circunstâncias familiares, profissionais e sociais, e afetam sobretudo as mulheres, que acumulam trabalho doméstico e profissional.
O problema é que são seguidas por clínicos de medicina geral e estes têm o hábito de prescrever psicotrópicos em grandes quantidades, doses elevadas e por tempo prolongado.
Refere-se ao consumo de antidepressivos e ansiolíticos, que é grande?
Sim, e ainda aos neurolépticos e antiepiléticos. É preciso trazer as psicoterapias para a primeira linha de tratamento, com psicólogos que dediquem tempo aos pacientes, renunciando, tanto quanto possível, aos comprimidos, sejam quais forem.
Caso sejam mesmo necessários, os medicamentos devem ser prescritos pelo menor tempo e na dose mais reduzida possível, e nunca mais de dois fármacos em simultâneo.
Isso também se aplica aos psicoestimulantes?
A síndrome de hiperatividade e défice de atenção em crianças e adolescentes é uma invenção da indústria norte-americana para vender medicamentos. Parece-me normal que os miúdos tenham reações de agitação e de revolta face ao que veem ou são obrigados a fazer.
Não parar quieto na infância é uma prova de vitalidade. Embora a Ritalina seja um psicoestimulante ligeiro sem complicações graves, a inquietude infantil e juvenil não deveria ser rotulada de anormal.
O que pensa de haver tanta gente mentalmente doente?
O elevado número de perturbações mentais é um problema sociopolítico. A abordagem dos problemas psicológicos deve centrar-se mais na melhoria das condições sociais e no empoderamento das pessoas.