Nós só comemos as bagas, e tal como todos os frutos vermelhos, os mirtilos são muito ricos em compostos fenólicos, o que lhe confere as propriedades antioxidantes, mas existem outras partes do arbusto igualmente ricas em compostos bioativos (por exemplo, compostos fenólicos) que permanecem nas terras de cultivo sem qualquer aproveitamento. Os compostos fenólicos estão presentes em todas as partes do arbusto do mirtilo, mas nas folhas em particular e, em determinados períodos do ano, sobretudo após a frutificação (de setembro até novembro), as folhas ficam muito mais enriquecidas destes compostos. Já a folha verde não perde os compostos fenólicos, não têm exatamente os que são necessários para a investigação, pois são em menor quantidade e diferentes em termos de qualidade.
O que esta nova investigação portuguesa vai fazer é pegar nas folhas de mirtilo, que servem eventualmente para fazer infusões e pouco mais, neste caso fornecidas pela Cooperativa dos Agricultores de Mangualde, e processá-las. “Vamos otimizar um processo inovador de processamento das folhas de mirtilo, em detrimento das tradicionais infusões, por forma a obter uma biomassa enriquecida em compostos bioativos. O resultado preconizado é a geração de um novo produto nutracêutico capaz de atuar no sistema nervoso central com potencial neuroprotetor e neuroregenerador na esclerose múltipla e eventualmente em outras doenças do foro neurológico e psiquiátrico”, explicam Sofia Viana, uma das investigadores responsáveis pelo projeto, a par de Flávio Reis, ambos a trabalharem em farmacologia e terapêutica experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
Este trabalho está ainda numa fase muito embrionária e “resultados concretos em relação ao seu potencial terapêutico só em 2019”, alertam os investigadores, que contam com uma equipa multidisciplinar com formação avançada nas áreas de bioquímica, biotecnologia, farmácia e neurologia, do Instituto de Farmacologia e Terapêutica Experimental e do Instituto de Investigação Clínica e Biomédica de Coimbra da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, em colaboração com a Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto.
“Ninguém vai mascar folhas de mirtilo, estas vão ser processadas de forma a preservar estes compostos que consideramos ter utilidade terapêutica”, salienta Sofia Viana. O objetivo final é conseguir usar a biomassa como um suplemento alimentar, seja em comprimido ou em cápsula, no tratamento da esclerose múltipla, uma doença neurodegenerativa com incidência crescente em adultos jovens e para a qual as atuais estratégias terapêuticas são insuficientes, tornando imperativo a procura de novas soluções.