Professor e formador na área da comunicção, liderança e negociação, tanto no âmbito universitário como empresarial, António Sacavém é autor do livro “Aprenda a dizer não sem culpas”. “Como o não-positivo” pode transformar a sua vida pessoal e profissional e torná-lo mais feliz” é o que se propõe transmitir nesta obra, à venda desde o início de julho, da qual extraímos parte do capítulo dedicado ao “Receio de dizer não”:
“Esta palavra pequenina de três letrinhas pode ser muito difícil de pronunciar. Ao dizer ‘não’ tememos que a nossa necessidade de pertença e de conexão social não seja satisfeita. Por outras palavras, ao dizermos ‘não’, receamos que o outro nos rejeite porque antes se sentiu rejeitado, mesmo que não fosse essa a nossa intenção. É muito importante termos presente que ao dizermos ‘não’ fazemo-lo relativamente a um comportamento, ou a uma situação, e não relativamente à pessoa em si.
Se um amigo me pede o carro emprestado, posso recusar por uma questão de princípio ou porque necessito da viatura. Digo um «não» ao pedido do meu amigo, mas continuo a dizer ‘sim’ à nossa amizade. Continuo a considerá-lo e a respeitá-lo.
Neste sentido, o receio de dizermos ‘não’ pode estar relacionado com a confusão que habitualmente fazemos entre negar uma situação, um pedido, uma oferta, um comportamento de alguém e a negação da relação que temos com essa pessoa. Não é por dizermos ‘não’ a uma situação ou comportamento que dizemos ‘não’ ao outro.
O ‘não’ que aconselhamos neste livro nunca é contra o seu interlocutor, mas relativamente ao comportamento que este teve.(…)
OS MOTIVOS PARA SE DIZER ‘SIM’ QUERENDO -SE DIZER ‘NÃO’
Para que nos sintamos mais confiantes a dizer ‘não’, é útil que percebamos alguns dos motivos apontados pelas pessoas para dizerem ‘sim’ quando querem dizer o oposto.
Não quero ferir os sentimentos da outra pessoa
Não somos responsáveis pelos sentimentos dos outros. Somos responsáveis, isso sim, pelas nossas ações. Se ler com atenção este livro e exercitar as ferramentas que vou partilhar consigo, verá que vai aprender a dizer ‘não’ com empatia, respeitando as suas necessidades e as do outro.
O outro pode não aceitar o meu «não» como resposta
Sim, é verdade. Faz parte da liberdade e poder de escolha da outra pessoa. Aquilo que é fundamental é que esteja de consciência tranquila. Para tal, é importante que esteja consciente de que escolheu dizer ‘não’ porque era a sua melhor opção naquele momento, e que o fez com competência e respeito.
Não quero que os meus amigos sintam que não estou à altura
Nem sempre podemos fazer aquilo que os nossos amigos querem. Se decidem ir sair à noite e nós temos um projeto em estado de finalização, com a data de entrega para o dia seguinte, é normal que queiramos deixar para outra ocasião o encontro de amigos. Ser amigo significa também respeitarmos o espaço do outro e a sua situação de vida. Se exercitar estas ferramentas consistentemente, é normal que os seus amigos comecem a compreender melhor o seu ‘não’.
Tenho receio de gerar um conflito e detesto discussões
Dizer um ‘não -positivo’ não gera conflitos, nem internos nem externos. Dizermos ‘sim’ quando queremos dizer ‘não’ é que cria. O nosso interlocutor apercebe -se eventualmente de que não estamos a ser sinceros, e nós sentimos que estamos a sacrificar a satisfação das nossas necessidades. Nenhuma destas situações é proveitosa numa relação. Podemos aprender a dizer ‘não’, atendendo às necessidades de ambas as partes.
Não quero correr o risco de perder aquela oportunidade
Sim, o processo de comunicação do ‘não’ é fundamental que seja eficaz para evitar que isso aconteça. Cada situação é uma situação e é necessário analisar os prós e contras de cada decisão. De qualquer modo, se o ‘não’ é o mais ecológico para si num determinado momento, porque é um ‘sim’ a algo verdadeiramente importante, talvez seja melhor avançar nesse sentido.
Não quero prejudicar a relação com o meu chefe
Pelo contrário. Se o ‘não’ for aplicado de maneira eficaz, é natural que venha a melhorar a relação que tem com o seu chefe. Se praticar consistentemente aquilo que vai aprender neste livro, não fique surpreendido se desenvolver uma relação de ainda maior qualidade e honestidade com o seu chefe.
Tenho receio que o meu parceiro conjugal pense que já não o amo
Os pensamentos pertencem ao seu dono. A forma mais elevada de amor é quando damos sem medos nem expectativas, e somos honestos com nós próprios e com o outro. O ‘não’ faz parte de uma relação madura e equilibrada. O respeito pela liberdade e poder de escolha pode ser desenvolvido numa relação, e podemos ser um exemplo disso mesmo.
Numa relação é importante sentirmos que temos a liberdade de sermos nós próprios, com cada vez mais competência. É natural querermos agradar ao outro; contudo, quando respondemos e tomamos decisões, devemos ter em conta não só as necessidades do nosso parceiro conjugal, mas também as nossas. Assim, evitamos cair na armadilha de nos anularmos perante o outro, apenas porque não o queremos desiludir. A prática equilibrada e consciente do ‘não’ pode ajudar -nos a fortalecer a nossa relação. Lembre -se de que o ‘não’ não se dirige à relação que tem com o seu parceiro (a menos que seja esse o caso), mas é um ‘não’, geralmente, relativo a um pedido, a uma oferta ou a um comportamento da outra pessoa. O ‘não’, devidamente enquadrado, pode ser um elemento fortalecedor da relação.
Seja qual for a sua situação, é crucial fazermos um esforço proativo de desenvolvimento de relações maduras e equilibradas com os outros, nas diversas esferas da nossa vida, em que tenhamos a oportunidade e a liberdade de sermos quem somos, com a responsabilidade que lhe está adjacente, em que dizer ‘não’, sem necessidade de nos sentirmos culpados, faça parte das regras do jogo.
Dizer ‘não’ faz parte da nossa liberdade de escolha e, de acordo com as circunstâncias, pode ser a nossa melhor opção.
Tenha em mente que um ‘não’ bem aplicado pode ser um ‘sim’ a algo verdadeiramente importante, como veremos mais à frente.
Recordo -me de, quando ainda estava na universidade, ter decidido ir trabalhar para um cruzeiro durante as férias de verão, para ganhar algum dinheiro e conhecer a costa do Mediterrâneo e as ilhas Canárias. A minha função no barco era de animador e fazia um pouco de tudo: organizava torneios, dava aulas, fazia de porteiro nos jantares de gala, ajudava no acolhimento aos clientes, dava apoio aos guias quando o barco atracava. Enfim, foi uma experiência que teve todos os ingredientes que poderia ter, menos a monotonia.
Uma das minhas principais dificuldades era dizer ‘não’ aos passageiros quando, em visita aos diversos destinos, me pediam para os deixar, por momentos, sair da segurança do grupo para irem fazer compras aqui e ali.
As indicações que tinha da minha coordenadora eram muito claras. Se os clientes abandonassem o grupo por iniciativa própria, a responsabilidade passava a ser inteiramente deles, e caso não chegassem a horas ao porto de embarque, o barco arrancava, à hora estipulada, rumo ao próximo destino e sem esses passageiros.
Por um lado, eu sabia que estava a lidar com adultos e que se queriam sair deliberadamente do itinerário de visita estipulado, era da sua inteira responsabilidade. Por outro lado, depois de aceitar a sua saída do grupo, ficava com um peso na consciência, pois tinha receio que se distraíssem com as horas, fruto do entusiasmo da visita, e perdessem o cruzeiro sem que eu tivesse feito nada para o evitar. Esta foi a dinâmica que vivi durante a minha experiência como animador de cruzeiro.

Só anos mais tarde, quando eu próprio estava num cruzeiro, desta vez com o chapéu de cliente, é que me voltei a lembrar do sentimento de culpa que tinha vivido anos antes. Estava a visitar um lugar com a minha esposa, inserido num grupo, e escutei um dos passageiros a pedir ao guia para sair do grupo, uma vez que queria fazer compras. O guia respondeu de forma assertiva, confiante e com um sorriso nos lábios: ‘Lamento, mas não pode. Estamos num lugar que pode ser perigoso para quem não conhece e eu sinto-me responsável por todos os passageiros. Por isso, para sua segurança, peço -lhe que permaneça connosco. Daqui a minutos, vamos estar numa área comercial e poderá adquirir aquilo que desejar, de modo confortável e seguro.’ O passageiro acenou com a cabeça, agradeceu e manteve -se com o grupo. De seguida, confiante, o guia continuou a fazer o seu trabalho.
Recordei -me, quase de imediato, da resposta que eu dava habitualmente nestas circunstâncias e que era um «sim» pouco convicto, apenas porque tinha receio que um ‘não’ pudesse desagradar o passageiro. Eu estava preso a uma dinâmica emocional em que me sentia totalmente responsável por aquilo que os passageiros que queriam afastar-se do grupo sentiam. Foi nesse momento que disse pela primeira vez a mim mesmo: saber dizer ‘não’ é fundamental.
As dores de cabeça e o sentimento de culpa que causei a mim mesmo no passado poderiam ter sido facilmente ultrapassados, se tivesse tido a confiança e uma maior competência para dizer «não» e, ainda assim, manter uma relação positiva com o cliente.
No entanto, para que um nível adequado de confiança possa emergir, é importante entendermos melhor o que nos mantém presos a um ‘sim’ forçado e pouco genuíno.”