No que toca ao narcisismo alheio, todos nós temos um limite para o que conseguimos ouvir antes de revirar os olhos.
Mas e se o narcisismo percebido não for mesmo narcisismo? Um novo estudo de universidades norte-americanas e suíças revela que quem fala muito de si próprio não é necessariamente chato e egoísta – pode estar a passar por um período de angústia emocional.
E mais: essas pessoas podem ser mais suscetíveis que o normal a problemas psicológicos como a ansiedade ou a depressão.
Após um estudo de 2015 ter indicado que usar a palavra “eu” em excesso ou fazer muita “I–talk” – significando, falar muito de si próprio – poderia não ser sinal de narcisismo, o novo estudo publicado no Journal of Personality and Social Psychology, demonstra a ligação entra a I-talk excessiva e o negativismo emocional.
Segundo os investigadores, uma pessoa normal usa cerca de 16 mil palavras por dia, sendo que aproximadamente 1,400 são pronomes na primeira pessoa do singular, tais como “eu” ou “mim”. Alguém que fala de si próprio em demasia eleva este número para quase 2 mil pronomes por dia.
Entende-se por negativismo emocional ser facilmente suscetível a emoções como tristeza, tensão, zanga, depressão ou ansiedade.
Os investigadores analisaram dados recolhidos de 4,700 participantes residentes na Alemanha e nos EUA, a quem pediram uma série de tarefas escritas e faladas. Estes dados refletiam tanto o nível de I-talk como o nível de negativismo emocional de cada participante.
Apesar dos resultados, Allison Tackman, cientista da University of Arizona, nos EUA, e principal autora do estudo, adverte para o facto de que um nível elevado de I-talk não é, só por si, um indicador de depressão.
“Pode ser melhor na avaliação de uma propensão não apenas à depressão, mas à generalidade do negativismo emocional”, diz.
A correlação pode também depender do contexto em que a I-talk ocorre.
“Se fala num contexto pessoal – e, portanto, está a falar de algo relevante para si, como uma relação terminada recentemente – vemos a relação entre a I-talk e o negativismo emocional a emergir”, explica Tackman.
“Mas se está a comunicar num contexto mais impessoal, tal como a descrever uma imagem, não observamos a relação a emergir”.
Enquanto que o uso dos pronomes “eu” e “mim” ficou associado a negativismo emocional, o pronome possessivo “meu” não ficou. Isto porque, explica o estudo, a palavra “meu” liga o indivíduo que a diz a um objeto ou pessoa exterior a si, tirando o foco do discurso do próprio ego.
Mas afinal, porque é que falar continuamente de si próprio pode ser sinónimo de sofrer de angústias psicológicas? Tackman explica que a resposta pode estar no facto de, por vezes, as pessoas se obcecarem nas experiências negativas que sofreram no passado e na forma como estas as afetaram.
“Já todos passámos por experiências de vida negativas onde nos sentimos em baixo ou ansiosos; e quando nos relembramos do que foi estar nesses lugares, quando estamos demasiado focados em nós mesmos, podemos dizer coisas como ‘porque é que não consigo melhorar?'”, diz a investigadora.
“Estamos tão focados em nós próprios que não só usamos esses pronomes na primeira-pessoa do singular na nossa cabeça, como quando falamos com outras pessoas ou escrevemos eles escorregam para a linguagem”, remata.