Nuno Maulide foi o vencedor, ex aequo com Luísa Schmidt, do Prémio Verde VISÃO + AdP na categoria de Personalidade. Com uma carreira internacional de enorme mérito e reconhecimento, esta foi, como confessou na cerimónia, a primeira vez que viu o seu percurso ser distinguido em Portugal.
Aos 42 anos, Maulide é um cidadão do mundo. Licenciado em Química no Instituto Superior Técnico, com mestrado em França e doutoramento na Bélgica, trabalhou nos Estados Unidos da América e na Alemanha, antes de se fixar na Áustria, onde é professor e diretor do Instituto de Química Orgânica da Universidade de Viena. Ali foi eleito Cientista do Ano em 2018. Em 2021 foi nomeado membro permanente da Academia de Ciências da Áustria, o que faz dele o mais novo membro permanente e o único estrangeiro fora dos países germanófonos a conseguir esse feito.
Publicou um livro no ano passado para mostrar, de forma divertida, como a Química é uma ciência essencial para resolver problemas globais, como as mudanças climáticas e ecológicas, entre outros. Criou uma start-up em Portugal que se dedica à produção de um recurso valioso a partir da água de lavagem do tremoço.
Se as pessoas tivessem mais conhecimentos básicos de ciência, fariam uma vida mais sustentável?
A questão nem é necessariamente sobre sustentabilidade: penso que, com um aumento da literacia científica, teremos uma população mais informada para discutir escolhas, pensar atitudes e até contribuir para o debate público, em sociedade.
Como é que, num mundo em que há mais informação que nunca, parece que há também mais gente que nunca a duvidar dos cientistas?
Porque essa informação deriva de uma revolução na nossa espécie, nomeadamente a primeira vez em que todos podemos facilmente comunicar uns com os outros, em tempo real, independente da nossa localização geográfica. E isso não conecta apenas as pessoas que têm uma boa base científica e dão valor à ciência…
Quem nega as alterações climáticas são as mesmas pessoas que duvidam da ciência em geral?
Não sei se serão exatamente os mesmos, mas há um perfil comum: uma grande dose de ceticismo (que nem é algo de negativo), uma visão da ciência que não respeita o método científico e, em alguns casos, uma enorme vontade de acreditar que “toda a gente está a ser vítima de lavagem cerebral”. Algo que, confesso, pode revestir-se de muita satisfação pessoal pela ideia do “eu vi o que mais ninguém, nem as pessoas que estudam isto em pormenor, publicam artigos científicos e escrevem teses de doutoramento nesta área, viram”; há aqui matéria para alguns “pecados capitais” da natureza humana…
Por outro lado, há muitos políticos que depositam demasiada fé na ciência para resolver os problemas do mundo, como as alterações climáticas. As potencialidades da ciência estão a ser usadas como justificação para a inação?
Aqui tenho que discordar. De que políticos fala? Se os políticos tivessem toda essa fé, o investimento em ciência estaria atualmente a bater recordes – da última vez que consultei tabelas, nos países da EU esse valor anda entre os 1% e (apenas nos países do centro e norte da Europa) 3 % do PIB (a esmagadora maioria fica bem abaixo)… a inação e a falta de reforço do investimento denotam, antes, uma crença de que “não é preciso fazer nada de especial”.
Acredita que vamos conseguir resolver a crise climática antes de esta atingir proporções (mais) perigosas?
Não sei sequer se estamos todos de acordo com a frase “resolver a crise climática”. É perigoso reduzir um problema tão complexo a uma frase tão simples. Que é imperativo haver ação política e movimentos científicos e da sociedade (todos juntos) para caminharmos rumo a uma sociedade mais sustentável é evidente para todos – mas, como em todos os grandes desafios da nossa espécie, ninguém será capaz de prever se precisaremos de um momento catastrófico para forçar o progresso ou não…
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Recorde a entrevista de Nuno Maulide à VISÃO em 2021
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