Depois de um primeiro rascunho morno, vago mas com vários pontos que deixaram muitos analistas com esperança num bom resultado, o segundo rascunho da resolução final da COP26, em Glasgow, é um balde de água fria.
Há três pontos em particular que mostram um enorme recuo em relação ao documento original. Um diz respeito aos combustíveis fósseis, outro à revisão dos prazos para entrega de novos compromissos, por parte dos países, e outro ainda sobre a entrega dos 100 mil milhões de dólares de financiamento para o fundo de apoio aos países menos desenvolvidos e que mais sofrem com as alterações climáticas, que passa para 2025.
O fundo, que falhou o prazo de 2020, definido no Acordo de Paris, ficando-se pelos 80 mil milhões, havia sido prometido no final de outubro para 2023, com Ursula Van der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, a apontar na semana passada para 2022. Este rascunho atrasa o financiamento em mais três anos. Ou seja, cinco anos mais tarde do que acordado em Paris, em 2015. “Exorta as Partes dos países desenvolvidos a cumprirem totalmente a meta de 100 mil milhões com urgência e até 2025, e enfatiza a importância da transparência na implementação das suas promessas.”
Não menos relevante é o tipo de linguagem usado neste texto ser, no geral, mais fraco do que no primeiro rascunho. Em documentos a este nível, das Nações Unidas, as expressões usadas são objeto de longas e duras negociações.
A alteração mais significativa é, no entanto, a relativa ao carvão, ao gás e ao petróleo. O primeiro rascunho incluía um ponto que dizia: “Exorta as Partes a acelerarem a eliminação progressiva do carvão e dos subsídios aos combustíveis fósseis”, no capítulo dedicado à mitigação. Não indo tão longe como alguns exigiam – ainda não vaticinava o início do fim do gás e do petróleo, apenas dos subsídios -, foi considerado por muitos um passo em frente.
Agora, a parte relativa aos combustíveis fósseis foi diluída no meio de um ponto que refere o desenvolvimento de tecnologias e o aumento das energias limpas. Além disso, a expressão usada é mais fraca: em vez de “exorta”, a conclusão “convida” as partes a “acelerar”, o que é um enorme passo atrás – na prática, torna este ponto pouco mais que voluntário.
O pior, no entanto, é a substância. A “eliminação gradual do carvão” foi substituída por “eliminação gradual do crescimento incessante do carvão” (em inglês, “unabated coal power”). Isto pode dar azo a várias intepretações criativas por parte de países produtores e consumidores de carvão. Quanto aos combustíveis fósseis como um todo, incluindo o gás e o petróleo, é acrescentada uma palavra que muda tudo: em vez do fim dos subsídios, passamos a ter o fim dos “subsídios ineficientes”. Esta é claramente uma vitória para países como Arábia Saudita, Rússia e Austrália, e uma derrota para a União Europeia, que estava a pressionar no sentido de eliminar progressivamente todos os subsídios aos combustíveis fósseis.
“Exigir”: o verbo ausente
O ponto completo relativo ao carvão, ao gás e ao petróleo diz: “Convida as Partes a acelerarem o desenvolvimento, implantação e disseminação de tecnologias, e a adoção de políticas, para a transição para sistemas energéticos de baixa emissão, incluindo o aumento rápido da geração de energia limpa e a aceleração da eliminação gradual do crescimento incessante do carvão e dos subsídios ineficientes para os combustíveis fósseis.”
Fica aqui aberta a porta para, por exemplo, a captura e sequestro de carbono (CCS, na sigla internacional), uma tecnologia ainda cara e imatura, sem provas dadas, mas que o lóbi do carvão tem argumentado ser uma solução limpa para o setor (o carbono produzido na queima é injetado a centenas de metros debaixo do solo).
O primeiro rascunho levantava ainda a hipótese de os Estados reverem anualmente as suas metas, apresentando novas NDC (Contribuições Determinadas Nacionalmente, os planos nacionais de redução de emissões) já em 2022. O Acordo de Paris definira que as NDC são revistas, com ambição melhorada, a cada cinco anos. Esse ponto continua lá, mas, mais uma vez, a linguagem foi suavizada. A palavra “urges” (exorta) deu lugar, neste ponto, a “requests” (solicita), no ponto relativo à entrega e discussão das NDC, sob o Mecanismo Internacional de Varsóvia. No “dicionário diplomático” das Nações Unidas, “exorta” é mais forte do que “solicita”.
A linguagem, aliás, está muito pouco incisiva ao longo do documento. Em lado nenhum surge a expressão diplomática mais poderosa, a bomba atómica dos textos da ONU: “Demands” – exige.