Incêndios mais frequentes, inundações intensas, escassez de água potável, temperaturas extremas, espécies em risco de extinção, diminuição da qualidade do ar, subida das águas do mar, insegurança alimentar, aumento do preço de bens e serviços essenciais. Para algumas pessoas, pensar no futuro do planeta e da vida na Terra é como entrar numa espiral de incertezas do que está para vir, como se todos os cenários possíveis e imaginários dos filmes de ficção científica estivessem a minutos de acontecer, prontos para virar o mundo do avesso. Perante a iminência do agravamento do aquecimento global e, por consequência, dos desastres naturais, a saúde mental também fica melindrada e a ecoansiedade começa a ganhar terreno.
“Ecoansiedade é um conceito usado para descrever a resposta expectável e adaptativa às ameaças ecológicas que enfrentamos face à ameaça que é trazida pela crise climática e crise ecológica e que se traduz, especificamente, em sentimentos como preocupação, medo, raiva e culpa”, começa por dizer à VISÃO Teresa Pereira, doutoranda em Psicologia Aplicada e que atualmente está à trabalhar no projeto Desenvolvimento Positivo de Jovens no Contexto das Alterações Climáticas, na Universidade do Minho.
Apesar de a ecoansiedade não ser uma condição clínica, mas sim um quadro de ansiedade provocado pela preocupação face às alterações climáticas – a Associação Americana de Psicologia descreveu-a, em 2017, como “um medo crónico da destruição ambiental” -, os sentimentos que provoca podem “levar a situações de desorientação da pessoa”, até porque, continua a investigadora, a preocupação e medo são constantes.
No entanto, a ecoansiedade pode também ser trampolim para alguma esperança, no sentido de levar a pessoa a querer agir. “Uma característica importante da ecoansiedade é que estes sentimentos podem surgir ao mesmo tempo ou flutuarem entre extremos, ou seja, a pessoa sentir simultaneamente preocupação e esperança ou medo e negação, o que torna os sentimentos mais difíceis de gerir”, continua Teresa Pereira, que faz parte do Ecopsi – Psicologia e Clima, um projeto que une especialistas em psicologia, psicoterapia e psiquiatria com ativistas de justiça climática.
Uma realidade mundial
Um recente estudo publicado na revista The Lancet, e que envolveu mais de 10 mil jovens de todo mundo, vem mostrar que a ecoansiedade é uma realidade transversal, até mesmo entre países que ainda não sentiram direta e intensamente o impacto das alterações climáticas. Seis em cada dez jovens participantes no estudo confessam estar muito ou extremamente preocupados com a crise climática, sendo que quatro em cada dez afirmam que ainda não decidiram se querem ou não ter filhos, por temerem o que está para vir. De acordo com este estudo, do qual Portugal fez parte, os jovens portugueses foram dos que apresentaram maiores níveis de preocupação com as alterações climáticas, sendo que 30% dos jovens confessaram estar “extremamente preocupados”.
Tal como qualquer outro quadro de ansiedade, as incertezas, os “e se, e se, e se, a dúvida patológica”, como diz a psicóloga Catarina Lucas, acabam controlar a mente da pessoa que não consegue abstrair-se do que está a acontecer e pode vir a acontecer… nem quando a catástrofe ainda não bateu à porta. “A ecoansiedade verifica-se mesmo quando não existe evidência física e imediata do impacto das alterações climáticas, ou seja, não é necessário que as pessoas tenham sido expostas a efeitos diretos de eventos extremos, que obviamente podem constituir situações traumáticas, como inundações, incêndios ou secas”, explica Teresa Pereira.
Na prática, e muito à boleia da informação partilhada nos meios de comunicação e nas redes sociais – que, como mostra este relatório, pode ser enviesada e falsa -, “os próprios efeitos indiretos podem resultar num conjunto de respostas emocionais que dificultam a capacidade de lidar com o tema. Daí a crescente prevalente do conceito de ecoansiedade”, continua a investigadora.
Apesar de a ansiedade relacionada com o clima não escolher idades, o certo é que são os jovens aqueles que se mostram à mercê da reação emocional face às alterações climáticas. Para Teresa Pereira, tal deve-se ao facto de os jovens terem um “duplo papel”: por um lado, sabem que serão afetados e que o seu futuro poderá, de algum modo, estar em risco; por outro, entendem que a crise climática é uma luta deles, que depende das suas ações e comportamentos, um pensamento que não está errado, mas que pode causar demasiada pressão e até frustração: de facto as suas ações podem fazer a diferença, mas a responsabilidade não deve cair sobre eles.
“Mais do que a responsabilidade da mudança, porque na data atual esta ainda está em órgãos superiores”, diz a psicóloga Catarina Lucas, está a importância de passar a mensagem de que, de facto, podem fazer algo. “Aqui aplica-se o conceito de resiliência, à medida que as coisas vão acontecendo, vamos ter de lidar com elas, vamos ter de nos ajustar e adaptar, seja a mudanças efetivas que possam vir a acontecer, seja o ajuste e mudanças de alguns comportamentos que podemos fazer agora, de forma a prevenir”, frisa a psicóloga, que diz que, em clínica, “é comum começarmos a ter pessoas a abordar as questões do clima, mas como questões secundárias em consulta. As pessoas começam a ter esta sensibilidade”.
Controlar a ecoansiedade
“As preocupações climáticas são válidas, mas não podemos vivê-las no hoje, como se já estivéssemos lá, senão não conseguimos viver o hoje”, diz Catarina Lucas, que volta a frisar que a ansiedade perante as alterações climáticas se manifesta tal e qual como qualquer ansiedade, independentemente do motivo que está na sua origem. “Temos de amenizar o que são os nossos pensamentos catastróficos”, continua a especialista.
Para Teresa Pereira, “no caso da crise climática, estamos a falar de um fenómeno com uma dimensão imensa e que sai fora do nosso controlo individual”, algo que, por si só, torna “muito mais difícil dar conforto e encorajamento às pessoas”, embora reconheça que, perante o cenário atual e as previsões futuras, “é perfeitamente normal que as pessoas sintam esta ecoansiedade”.
Em plena COP26 e com o cenário menos animador do que o desejado, Catarina Lucas destaca que, “no fundo, ninguém sabe o que vai acontecer, como vai acontecer, o que se vai conseguir reverter, o que não se vai conseguir reverter” e, por isso, as pessoas devem procurar pensar no futuro não no sentido catastrófico que se avizinha, mas sim numa ótica de prevenção. “O que podemos fazer no nosso dia a dia é não anteciparmos cenários de uma forma angustiante, claro que temos de antecipar no sentido de prevenção, de implementar medidas, mas não no sentido de antecipar as catástrofes e o que vamos sentir com elas, que isso é o mesmo que estarmos a pensar no dia em que vamos morrer. No dia a dia não pensamos nisso, mas se pensarmos vivemos constantemente num estado de alerta e sobressalto”, esclarece a psicóloga.
Ao trabalhar diretamente com grupo de ativistas, Teresa Pereira diz que o autocuidado é uma ferramenta importante para conseguir controlar a ansiedade climática. E uma forma de autocuidado é “saber gerir a informação a que é exposta”, embora seja importante saber filtrar a informação que se lê, sob a pena de “gerar mais ansiedade”.
“Uma estratégia mais adaptativa é lidar com o significado que a crise climática tem para as pessoas, isto significa valorizar os sentimentos positivos que ajudam a lidar com o problema, ter competências de resiliência, como sendo a capacidade de antecipar riscos e tomar ações para reduzir a vulnerabilidade. A questão da ação, que pode ser juntar-se a um coletivo ou adotar comportamentos mais sustentáveis na vida diária, de certa forma, contribui para a mitigação das alterações climáticas e está estudado como tendo um grande contributo para o bem-estar e para diminuir a ecoansiedade. Estarmos envolvidos está associado a um maior sentimento de controlo e resiliência e de maior esperança”, conclui Teresa Pereira.