A COP28 tem sido um dos elefantes na sala ao longo da Climate Week NYC. As Conference of the Parties (COP) realizam-se anualmente desde 1995, na sequência da assinatura, por todos os países, da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (UNFCCC). O seu objetivo é debater soluções e tomar medidas para a estabilização da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera (tendo 1990 como ano de referência), de modo a que a temperatura média terrestre não aumente mais de 1,5 graus Celsius face à era pré-industrial (1850-1990). O Acordo de Paris foi assinado em 2015, na COP21.
Nos últimos dois dias, um dos eventos mais mobilizadores em Nova Iorque foi a Cimeira da Ambição Climática das Nações Unidas. Guterres adotou um tom mais otimista, mas nem assim os dois maiores emissores do mundo estiveram presentes – EUA e China. Aliás, nem sequer o país anfitrião da COP28 – os Emirados Árabes Unidos – esteve presente.
A emissão de gases com efeito de estufa disparou por volta de 1950 e, desde então, têm batido recordes todos os anos – com exceção para 2020, ano em que diminuíram 5% devido ao confinamento COVID-19. Mas, desde então, voltaram a subir.
Para cumprirmos o Acordo de Paris, teríamos de reduzir as emissões globais em 45%, até 2030. Para tal, seria necessária uma redução de 7% ao ano, já a partir deste ano. Ora, será possível reduzirmos mais as emissões do que (involuntariamente) se reduziram devido ao confinamento, sem termos as nossas vidas e economias confinadas? Neste momento, a estimativa é de um aumento de 14%, o que é drasticamente diferente de uma redução de 45%. Assim, as temperaturas – que já aumentaram mais de 1,1 graus Celsius – irão continuar a aumentar e a janela de oportunidade vai-se fechando. É neste contexto de enorme emergência e complexidade que se realiza a COP28 – num país rico devido aos combustíveis fósseis.
As emissões têm origem sobretudo nos combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão), ainda que também tenham outras origens, tais como usos do solo (os incêndios e a deflorestação não ajudam nada) e a produção de gado bovino – que liberta tanto metano que se fosse um país seria o segundo maior emissor do mundo.
Quando me pedem duas medidas individuais rápidas para apoiar a redução das emissões, costumo sugerir andar menos de avião evitar o consumo de carne. Em sua defesa, o setor agroalimentar costuma alegar ”it’s not the cow, it’s the how”, mas a verdade é que mesmo que o animal seja local, e portanto a pegada carbónica do transporte muito menor, haverá sempre a emissão de metano, devido ao processo digestivo, já para não mencionar a questão do sofrimento animal.
Os combustíveis fósseis representam 77% do mix energético global e o seu consumo continua a aumentar. Reduzir as emissões em 45%, até 2030, obrigaria a reduzir drasticamente o seu consumo imediatamente. Essa redução pode muito parcialmente conseguir-se através de maior eficiência energética e de novos comportamentos (por exemplo, andar menos de avião), mas ela terá de se conseguir sobretudo através da rápida expansão das energias renováveis (eólica, solar, hidrogénio verde, entre outras).
Cumprirmos o Acordo de Paris implica as empresas do setor dos combustíveis fósseis não queimarem as suas reservas de petróleo, gás e carvão – o que levaria a uma desvalorização drástica do seu valor de mercado. Neste momento, porém, continuam a ser um bom investimento. Em 2022, os lucros das maiores empresas do setor ascenderam a mais de 200 mil milhões de euros – o dobro de 2021. Mesmo os lucros da Galp, à sua escala, no primeiro semestre deste ano ascenderam a mais de 500 milhões de euros.
Se os lucros destas empresas estivessem a ser investidos em energias renováveis e em inovação, tal seria um bom incentivo para a mudança de paradigma necessária. Porém, em 2022, estas empresas pagaram mais de 50% dos seus lucros (i.e., mais de 100 mil milhões de euros) em dividendos, já o valor que investiram em energias renováveis e em inovação foi residual.
Em 2022, só o mercado do petróleo valeu 2 biliões de euros (mais de 9x o PIB português). Talvez por isso as maiores multinacionais a atuar neste setor tenham vindo a anunciar recentemente a redução da sua ambição para a década no que toca à descarbonização das suas cadeias de valor (BP, Shell e Exxon Mobil entre elas). Se até os governantes, que têm o dever moral de governar também para as próximas gerações, começam a adiar as metas nacionais e a reduzir a ambição, o que farão as empresas de seguida?
Algumas invocam a esperança em tecnologias e soluções de base natural para captura de carbono (por exemplo, plantar árvores) e, assim, compensarem as suas emissões. Trata-se de uma ilusão perigosa. Aliás, trata-se de greenwashing. Não há tecnologias (atualmente) que nos valham. A captura e compensação são peças do puzzle da descarbonização do planeta, mas o desafio é mesmo a mitigação ou redução. Por exemplo, a estratégia da União Europeia – e, portanto, de Portugal – passa por reduzir em 90% as emissões e apenas compensar os restantes 10%.
Neste contexto, esperava-se que o setor público reduzisse drasticamente os subsídios aos combustíveis fósseis. Porém, de acordo com o FMI, atingiram o valor recorde, em 2022, de 7 biliões de euros (28x o PIB português) – mais do dobro do que em 2020. Também o setor privado tem despejado financiamento nos combustíveis fósseis. Desde a assinatura do Acordo de Paris (2015), os 60 maiores bancos do mundo financiaram os combustíveis fósseis em 5,16 biliões de euros (22x o PIB português).
A única forma de cumprirmos o Acordo de Paris será através de medidas drásticas de redução do consumo de combustíveis fósseis. Às empresas a operar nessa indústria, exige-se que se comprometam com a meta de um planeta neutro em carbono, que façam planos imediatos transformadores dos seus portfólios e cadeias de valor e que partilhem em contínuo os seus progressos com todos os seus stakeholders com total transparência. Mas terá de haver liderança política. Inteligente, corajosa e disruptiva. A indústria dos combustíveis fósseis não pode simplesmente ser tão lucrativa.