A terceira e última parte do Sexto Relatório Climático do IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas), tornado público esta segunda-feira, revelou-se agridoce. Por um lado, conclui que, apesar de o período 2010-2019 ter sido a década com mais emissões de gases com efeito de estufa de sempre, essas emissões estão a desacelerar. Além disso, os custos das energias renováveis têm descido muito mais do que era expectável, tornando a descarbonização das economias mais barata, pelo que há menos desculpas para adiar a transição energética.
Por outro lado, o mundo encontra-se à beira de um ponto decisivo. Para limitar o aumento da temperatura média global a 1,5º C (meta do Acordo de Paris), as emissões têm de atingir o seu pico em 2025. Ou seja, daqui a quatro anos já o planeta terá de estar a reduzir as emissões em relação ao ano anterior.
Dada a proximidade desse “ponto de não retorno”, os cientistas avisam que é praticamente impossível cumprir o objetivo – “quase inevitável” é a expressão utilizada. E, acrescentam, se não houver um esforço maciço e rápido de redução de emissões, o aumento de temperatura poderá ultrapassar os 3º C, com consequências dramáticas.
“É agora ou nunca, se quisermos limitar o aquecimento global a 1,5° C”, alertou Jim Skea, professor do Imperial College de Londres e copresidente do grupo de trabalho responsável pelo relatório. “Sem reduções imediatas e profundas de emissões em todos os setores, [esta meta] será impossível.”
Preços das renováveis caíram 85%
O relatório do IPCC, um organismo científico que estuda as alterações climáticas no âmbito das Nações Unidas, considerado a autoridade máxima no tema, faz vários cálculos para estimar a probabilidade de a descarbonização ser bem sucedida a curto e médio prazo. A conclusão é que há opções em todos os setores da economia para cortar as emissões “pelo menos metade” até 2030.
“Ter as políticas, infraestrutura e tecnologia corretas para permitir mudanças nos nossos estilos de vida e de comportamento pode resultar numa redução de 40 a 70% nas emissões de gases de efeito estufa até 2050”, disse Priyadarshi Shukla, outro copresidente do Grupo de Trabalho III do IPCC. “Isto oferece um potencial inexplorado significativo. As evidências também mostram que essas mudanças no estilo de vida podem melhorar a nossa saúde e o nosso bem-estar.”
Essa transição obriga a uma redução substancial no uso de combustíveis fósseis e a uma aposta concertada nas energias renováveis (eletrificação, eficiência energética e combustíveis alternativos “limpos”, como hidrogénio). Um investimento que não é tão difícil como se poderia pensar, dadas as quebras drásticas nos preços das renováveis e de outros equipamentos imprescindíveis para a transição: os sistemas eólicos e fotovoltaicos, além das baterias (que armazenam eletricidade para ser consumida quando não há sol nem vento), tiveram quedas de preço de 85% desde 2010.
A redução necessária de emissões implica também uma redução de 30% do metano, um gás com efeito de estufa muitíssimo superior ao dióxido de carbono, apesar de ter um tempo de vida na atmosfera relativamente curto. Na Cimeira do Clima de Glasgow, em novembro, 106 países comprometeram-se a cortar precisamente 30% das suas emissões de metano até 2030. Mas grandes produtores de metano, como a China, a Índia, a Rússia e a Austrália, ficaram de fora do acordo.
“Estamos num cruzamento”, alertou Hoesung Lee, o presidente do IPCC. “As decisões que tomarmos agora podem garantir um futuro habitável. Temos as ferramentas e o know-how necessários para limitar o aquecimento. Sinto-me encorajado pela ação climática que está a ser tomada em muitos países. Existem políticas, regulamentos e instrumentos de mercado que estão a revelar-se eficazes. Se forem ampliados e aplicados de forma mais ampla e equitativa, podem provocar reduções profundas de emissões e estimular a inovação.”
O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, mostrou-se menos otimista e muito mais crítico do trabalho desenvolvido pelos Estados, usando até uma linguagem incomum em diplomacia. “Alguns líderes governamentais e empresariais estão a dizer uma coisa – mas a fazer outra. Basicamente, estão a mentir. E os resultados serão catastróficos.”