Como vai ser o futuro dos mercados? A maior proteção dos dados pessoais vai trazer dissabores às empresas? Algum dia vamos conseguir alcançar a sustentabilidade ou essa ideia é apenas uma miragem? Leah Johns é Head of the Global Consumer Lab, o centro de especialização em comportamento do consumidor da consultora Bain & Company, e falou com a VISÃO sobre os temas da atualidade dos mercados.
Com uma já longa carreira nesta área, Leah aconselhou algumas das empresas de produtos de consumo mais conhecidos do mundo no que toca às suas estratégias de crescimento e modelos operacionais. Hoje tem um foco particular na sustentabilidade do consumidor. A especialista foi oradora no III Congresso das Marcas, organizado pela Centromarca – Associação Portuguesa de Empresas de Produtos de Marca -, realizado no dia 28 de maio.
Na sua opinião, quem dita ou quem deveria ditar as tendências? Consumidores ou marcas?
Há necessidades do consumidor que vão sempre permanecer. E, por isso, eu acho que as marcas vão ter sempre de ter isso em consideração, que os consumidores vão querer segurança, saúde, comodidade, relações interpessoais e humanas. Mas a forma como essas necessidades vão ser preenchidas é que evolui com o tempo. Eu acredito que é uma relação simbiótica entre os dois.
Por exemplo, a Bolt ou a Uber inovaram e aumentaram a expectativa de comodidade. E agora os consumidores têm uma expectativa mais alta e portanto a próxima inovação tem de ir ao encontro dessas necessidades ou superá-las. É uma relação onde são os dois que ditam. Mas também acredito que existe espaço para que as marcas liderem as tendências, sempre com o objetivo de melhorar. São tempos muito entusiasmantes nesse sentido, mas, ao mesmo tempo, é complexo. Por exemplo, o Spotify desenvolveu o conceito de personalização e agora tudo o que as pessoas procuram é essa diferenciação. Ainda assim, acho que é como a questão da galinha e do ovo: são ambas.
Nos últimos anos, especialmente depois da pandemia, o mercado online explodiu. Como acredita que será o futuro dos mercados online e físico? Qual deles dominará?
Eu acredito que o futuro passará sempre pelos dois canais. Há coisas em particular que sabemos que as pessoas vão comprar nas lojas. As pessoas gostam de ir, tocar e sentir. Gostam de escolher os seus vegetais, as suas frutas. Mas claro que há outras coisas que preferem comprar online, como o papel higiénico, os 6 litros de leite, as coisas que são de maiores dimensões. E isso vai continuar.
O online explodiu durante a pandemia, mas acreditamos que vai continuar a crescer devido à quantidade de partilhas de experiências que as pessoas têm das compras. Sobre a roupa, por exemplo, as pessoas gostam de ir à loja para sentir. Isto é mais uma tendência da geração mais velha, que não consome tanto online. Mas a geração Z tem um ritual: encomendam, vão buscar à loja, experimentam e depois devolvem. Ambos podem coexistir.
O que é verdadeiramente desafiante é as marcas saberem o que leva as pessoas às lojas e o que funciona online. Os vendedores estão, por exemplo, a testar “experiências na loja”, em que tentam captar a atenção dos consumidores, para que estes tenham algum prazer em comprar fisicamente.
O comércio online foi uma grande disrupção. Quais são as expectativas para o futuro do comércio? Quais são os novos modelos de negócios? Podemos esperar outras disrupções como o comércio online?
Quando falamos de comércio online acho que devíamos falar em mercado digital. Porque, no futuro, por exemplo, podemos imaginar que cada superfície pode ser comprada. Ou seja, eu nem preciso do meu telefone para comprar, posso comprar a partir dos meus óculos. Posso olhar só para uma coisa, dizer “uau, adoro”, e vai diretamente para o meu cesto de compras. E não acho que estejamos assim tão longe disso. O que poderá acontecer no futuro é que nós não vamos precisar de um ecrã para comprar, basta ter acesso à realidade virtual, por exemplo.
Mas o que é que isto significa para as marcas? É importante que estas percebam como é que a tecnologia está a evoluir, porque podem estar num sítio onde as pessoas já não estão. É importante que criem novos planos de marketing, novos programas de ação. Isto para que possam encontrar os seus consumidores e estar onde eles estão.
E onde estão os consumidores agora?
O que sabemos é que se estão a mover muito mais do que costumavam. Os consumidores costumavam ser mais ou menos previsíveis, nós sabíamos para onde eles iam.
Por exemplo, nós sabíamos que eles acordavam, viam televisão, talvez comprassem online, depois iam para o trabalho e voltavam para casa. E este tipo de consumidores mudou, agora movem-se de forma diferente. Por exemplo, os locais onde os consumidores iam: nós sabíamos que eles iam estar em frente à estação de metro de segunda a sexta, entre as 8h e as 11h e as marcas sabiam que podiam estar nesses pontos. E isto mudou.
Hoje quando perguntamos aos consumidores quais são os dias em que trabalham a partir de casa, a maioria das respostas é que quase sempre à sexta e por vezes à segunda. E sabendo isso, é importante descobrir, por exemplo, onde compram o seu almoço, onde vão às compras e a que horas.
Os consumidores estão em todo o lado e em diferentes sítios, o que os torna mais difíceis de acompanhar. Mas é importante saber quem são, o que precisam e estar próximo deles, falar com eles, ouvi-los.
As tendências de consumo são, por vezes cíclicas. Repetem-se ao longo do tempo. Acredita que tudo já foi inventado e estamos apenas a melhorar o que já existia ou ainda há muito para ver?
Acredito que ainda existe muito para ver. Mesmo com a Inteligência Artificial, estamos a conhecer novas formas de gerir o nosso dia a dia, de agir na vida, e com isso estamos a desenvolver novas tendências. O que continuam são as necessidades, como referi. Posso dizer que há 60 anos a saúde era importante e isso, hoje, ainda é uma verdade. Mas a saúde tem um conceito diferente do que o que costumava ter. Hoje saúde é saúde física, saúde mental, mas também inclui o sono. Ou seja, o que vamos encontrar são novas formas de alcançar essas necessidades.
A sustentabilidade é uma preocupação constante para marcas e consumidores. Então, porque é que ainda estamos tão longe de alcançar uma meta sustentável? Quais são os principais obstáculos?
Enquanto marca, tentamos perceber como é que é possível inovar e ser mais sustentável com a tecnologia. E o que assumimos é que o comportamento do consumidor não se alterou, mas mudou. Os consumidores conseguem ser incentivados a agir de forma particular.
Por exemplo, em Itália a compostagem é um ato totalmente normal, é um hábito integrado na sociedade. É algo fácil para os consumidores, porque é uma norma. Aqui em Portugal, por outro lado, não existe esse hábito. Então eu tenho de ir à Amazon, comprar um contentor de compostagem e colocar na minha varanda ou no meu jardim. Acontece o mesmo com os carros elétricos. Ou seja, o comportamento do consumidor pode mudar e vai mudar.
As boas notícias é que as pessoas se importam. 64% das pessoas do mundo dizem importar-se realmente com as questões da sustentabilidade, principalmente quando lhe toca a elas, como o tempo extremo. Mas ainda há muitas barreiras que os consumidores têm de enfrentar.
Sobre viver sustentavelmente, por exemplo, diria que a maior falta é a de conhecimento sobre o que realmente é a sustentabilidade. É confuso, as expressões são confusas. Carbono, por exemplo, é um termo muito abrangente e complexo. E eu não censuro as pessoas por isso, é difícil.
Depois temos a questão de que o conceito de sustentável é diferente para cada pessoa. Há pessoas que consideram que um produto sustentável tem a ver com o processo de fabricação, sobre como são distribuídos, ou com os ingredientes que são utilizados. Já outras pessoas estão preocupadas sobre como usar o produto, por exemplo, questionando quanto tempo o produto pode durar. As marcas normalmente comunicam para os consumidores que pensam da primeira forma e isso não faz com que a mensagem passe para todos. É importante conhecer o público e perceber de que forma pensa, qual a melhor forma de comunicar com ele.
E ainda existe a problemática do preço. Há uma grande diferença entre produtos que são vendidos como sustentáveis e o preço deles versus os preços que os consumidores estão dispostos a pagar. Na generalidade, as pessoas estão dispostas a pagar mais 10% do preço por algo sustentável. E é preciso que as pessoas sintam confiança para isso. Quando perguntamos às pessoas se confiam em grandes marcas, a maioria das respostas é “não”, porque não acreditam que estas são transparentes nos seus processo e políticas. As pessoas acreditam mais em pequenos negócios, sentem que são mais credíveis.
Será que algum dia vamos conseguir alcançar a sustentabilidade ou é apenas uma miragem?
Eu acredito que conseguimos, mas depende muito das marcas.
Hoje em dia, os consumidores estão cada vez mais preocupados com os seus dados, estão cientes de que informação é dinheiro. Essa consciência pode ser prejudicial ao seu setor?
Por surpreendente que pareça, do que temos conhecimento, as pessoas estão contentes em partilhar os seus dados, desde que isso lhes traga algum benefício. Ou seja, se houver alguma vantagem, eles estão dispostos a partilhar. Claro que existe um conjunto de políticas que ajudam a regular o tratamento dos dados, mas, no geral, as pessoas veem como uma forma positiva.
Acha que o seu trabalho faz diferença? De que forma?
Sim, completamente. Eu trabalho principalmente com estratégias voltadas para o cliente, e inicialmente as empresas precisavam de ajuda a saber quais as necessidades dos clientes e como as podiam satisfazer. Mas as empresas estão cada vez maiores e fica difícil falar diretamente para os consumidores, ter uma relação humana com eles. O que amo no meu trabalho é que é um equilíbrio entre os dados e o sentido humano, liga-se mais às relações. Acho que, em última análise, as marcas precisam de conhecer os consumidores e entendê-los.