Num dia quente e soalheiro de abril de 2022, em que as praias do País se encheram de multidões, um cachalote com cerca de 12 metros de comprimento e mais de 30 toneladas deu à costa na Fonte da Telha, Costa da Caparica. Estava gravemente ferido depois de ter sido abalroado por um navio e acabou por ficar arrojado na praia. Vários banhistas saltaram para dentro de água e tentaram empurrar a baleia de volta para o mar, na tentativa de a salvar, mas sem sucesso.
“Andava atrás desta história há dois ou três anos. Tinha desenvolvido contactos com vários biólogos marinhos e com a rede de arrojamentos de cetáceos, porque é uma história que a maior parte das pessoas não sabe que acontece”, conta à VISÃO Nuno Sá, fotógrafo e videógrafo subaquático. “Estamos a falar de mais de 20 mil baleias que morrem devido à colisão com navios a nível mundial, todos os anos”, acrescenta.
Nesse dia, uma bióloga marinha contactou Nuno Sá depois de assistir aos primeiros avistamentos do cachalote, que começou a aproximar-se da costa, passando pelos surfistas até chegar à zona de rebentação.
O fotógrafo saiu de casa com um drone e conseguiu filmar toda a tentativa de salvamento – as imagens foram, posteriormente, vendidas à Netflix para a realização de uma nova série que será lançada em abril. No fim da sessão, tirou fotografias desse “momento incrível”, que lhe valeram, agora, um prémio no prestigiado concurso britânico Underwater Photographer of the Year, na categoria ‘Save Our Seas Foundation Marine Conservation’, dedicada à conservação dos oceanos.
Na sua primeira edição, em 2015, o título de Underwater Photographer of the Year foi atribuído a Nuno Sá e, agora, quase uma década mais tarde, o fotógrafo e videógrafo volta a ser premiado noutra categoria, com a fotografia ‘Saving Goliath’.
Nuno Sá diz que foi “inspirador ver tantas pessoas a arriscar as suas vidas para tentar” salvar a baleia ferida, apesar do “misto de emoções” por ter assistido à sua tentativa infrutífera se “manter à superfície”. “Curiosamente, só depois de aterrar o drone e chegar junto da baleia percebi que a minha filha de 10 anos era uma das pessoas que a tentava salvar”, acrescenta.
O concurso britânico, que teve, nesta edição, mais de 500 participantes de mais de 40 países e a submissão de mais de 6500 fotografias, é considerado por muitos o mais prestigiante concurso de fotografia subaquática do mundo.
Fotografia como “grito de alerta”
Nuno Sá espera que esta fotografia sirva como um “grito de alerta” para o facto de morrerem tantas baleias por ano devido ao tráfego marítimo: de acordo com Ana Henriques, Técnica de Oceanos e Pescas da organização não governamental ANP|WWF, o volume do tráfego marítimo em todo o mundo aumentou 300% nas últimas duas décadas, o que levou a um aumento exponencial do número de baleias mortas ou feridas devido ao embate com embarcações.
“Estes animais evoluíram ao longo de milhões de anos e viveram em oceanos onde não havia poluição sonora e não existiam navios a navegar em praticamente todos os pontos do nosso planeta”, afirma Nuno Sá. Com o passar do tempo, os oceanos deixaram de ser um ambiente seguro e silencioso para os cachalotes adultos e a colisão com navios é hoje considerada a principal causa de morte de várias espécies de baleias, incluindo a baleia-franca-do-atlântico-norte, espécie em perigo de extinção e uma das espécies de cetáceos mais raras do mundo.
“A proteção da biodiversidade marinha faz-se em várias frentes, pelo que, no caso português, o investimento em mais meios de prevenção e resposta, e em mais investigação científica, pode contribuir não só para aprofundar conhecimento sobre os corredores migratórios de megafauna marinha, como também para diminuir potencialmente estas ameaças por interferência humana”, defende Ana Henriques, em comunicado.
Nuno Sá iniciou a sua carreira como fotógrafo subaquático profissional em 2008 e é hoje um dos nossos mergulhadores mais respeitados, trabalhando regularmente para os canais National Geographic e Discovery. Além disso, realizou para a RTP, com o apoio da Fundação Oceano Azul e do Oceanário de Lisboa, o documentário Mar, a Última Fronteira, “para mostrar aos portugueses, e ao mundo, como o nosso mar tem uma vida marinha comparável aos melhores sítios do planeta.”