Quando o tema surge em conversa, são comuns as reações negativas relacionadas com a poluição, a qualidade dos produtos ou os medicamentos utilizados na sua produção. “Se é peixe de viveiro, não quero!”, é algo que o leitor porventura já ouviu ou afirmou.
Tempos houve em que o peixe de aquacultura disponível em Portugal vinha essencialmente de países com métodos e padrões de produção menos exigentes, sendo que os produtos só chegavam às nossas bancas vários dias após a sua captura e talvez com mais do que um congelamento. Num país de consumidores exigentes, esses produtos não correspondiam às expectativas. Existem, no entanto, diferentes “culturas” na aquacultura e este setor e a sua oferta merecem hoje um olhar mais atento e livre de preconceitos.
As reações negativas de muitos consumidores serão um legado dessa experiência, bem como da falta de informação sobre a qualidade do que se produz em Portugal e de como se produz, o que condiciona a aceitação social do setor.
Num outro ângulo, importará também refletir sobre o seu potencial nos planos social e económico, já que um país marítimo como o nosso confronta-se anualmente com défices da balança comercial dos produtos da pesca ou relacionados com esta atividade, que superam os 1000 milhões de euros. Numa perspetiva ainda mais ampla, será oportuno questionarmo-nos sobre a necessidade de incluirmos os produtos de aquacultura na nossa dieta, a par dos produtos da pesca, agricultura e pecuária. Poderemos simplesmente dispensá-los?
Ao leitor mais interessado, sugiro o relatório The State of World Fisheries and Aquaculture 2022 da FAO, no qual se conclui que, nos últimos 40 anos as capturas anuais no mar estagnaram em torno de 80 milhões de toneladas, enquanto a produção aquícola de peixes e bivalves cresceu regularmente, tendo mesmo igualado em 2020 o valor das capturas. Quanto ao consumo mundial de produtos aquáticos, este triplicou nas últimas quatro décadas, impulsionado por mudanças nos hábitos alimentares e pelo acelerado crescimento populacional.
Com uma população mundial próxima das 10 mil milhões de pessoas em 30 anos, segundo a ONU, a procura por alimentos será mais crítica, sendo que a fome atinge ainda hoje mais de 800 milhões de pessoas e que 3000 milhões têm acesso limitado a alimentos adequados. As alterações climáticas e a escassez de recursos terrestres e hídricos condicionam a produção agropecuária, o mesmo acontecendo com a pesca que enfrenta o desafio da pesca excessiva, o que agrava o desequilíbrio dos ecossistemas.
Hoje, a aquacultura é fundamental para atender à crescente procura por alimentos de origem marinha e tal como noutros setores alimentares, a qualidade dos produtos varia, dependendo da origem, métodos e condições de produção. Produções aquícolas ambientalmente sustentáveis contrastam com instalações que requerem importantes melhorias, sobretudo no que toca à redução da sua pegada ambiental. A responsabilidade ambiental na aquacultura envolve o uso eficiente de recursos, o bem-estar animal e a gestão responsável de resíduos, entre outros aspetos. A rastreabilidade dos produtos e a informação ao consumidor são cruciais para dissipar mitos, alterar perceções negativas e assegurar a aceitação social.
Na União Europeia, a política para o setor deriva do Pacto Ecológico Europeu e aborda todos estes desafios. Mesmo assim, a Federação Europeia de Produtores de Aquacultura afirma a necessidade de convergirmos para uma política comum para a aquacultura, que combata a dependência da Europa das importações de alimentos de origem aquática. Estas representam mais de 65% do consumo da UE, num ambiente empresarial difícil e em condições de concorrência desiguais.
Assim, uma posição possível é a de procurarmos e exigirmos produtos de aquacultura com qualidade, produzidos de forma sustentável e que contribuam para satisfazer necessidades de consumo crescentes, aceitando nós que os recursos marinhos não são inesgotáveis e que uma aquacultura responsável nos ajudará a preservar o oceano em todas as suas dimensões. São passos necessários que, conjugados com investimento, políticas e regulação adequadas, contribuirão para que a aquacultura nacional e europeia cumpra o seu potencial, concorrendo para a segurança alimentar, criando emprego e gerando valor de forma sustentável. No final, os frágeis e finitos recursos marinhos agradecerão.