Extratos retirados do tronco de árvores no Chile permitiram analisar a qualidade do ar das últimas décadas, com resultados surpreendentes. Fabrice Lambert, climatologista da Pontifícia Universidad Católica de Chile, coordenou uma equipa que descobriu sinais nos níveis de poluição que coincidem com o ano do golpe militar.
Os investigadores começaram por dirigir-se a um parque público em Santiago, onde utilizaram uma broca especial para extrair núcleos de madeira de mais de 50 árvores de cedro. Depois de extraídos os núcleos, os orifícios deixados para trás foram tapados com cera de abelha e as amostras foram levadas para laboratório. Os extratos da madeira das árvores serviram como uma espécie de máquina do tempo de poluição. Através dos anéis da madeira, que representam a idade de uma árvore, foi possível analisar a qualidade do ar na cidade desde 1930.
Lambert e os colegas rasparam pedaços de madeira de cada um dos anéis de crescimento das árvores e analisaram depois a composição química de cada fração, para procurar vestígios de metais poluentes como o cobre, cádmio e chumbo. Estes metais, que provêm na sua maioria das emissões de combustíveis fósseis, são absorvidos pelas árvores e plantas através da atmosfera e das águas subterrâneas. Em seres humanos, podem ser responsáveis pelo aparecimento de doenças pulmonares e prejudicar o sistema nervoso.
Os resultados demonstraram que a qualidade do ar em Santiago era “consistentemente má” antes de 1990 – data em que o governo chileno implantou pela primeira vez medidas de combate à poluição. No entanto, houve uma curiosa exceção: o ano em que o país sofreu um golpe militar, comandado por Augusto Pinochet.
Pinochet assumiu o poder total no Chile depois de liderar um golpe apoiado pelos Estados Unidos, a 11 de setembro de 1973, governando o país até 1990. Lambert explica que a diminuição anormal da poluição atmosférica neste ano pode “potencialmente refletir a pausa nas atividades económicas enquanto as coisas acalmavam sob o novo regime”.
No estudo, os cientistas relatam que “a falta de registos instrumentais consistentes a longo prazo” até à data tinha sido um obstáculo à “avaliação do historial de contaminação na área”, limitando também “a avaliação das medidas de mitigação tomadas desde o final dos anos 80”.
“Estes dados fornecem informações sem precedentes sobre poluição antropogénica regional e são comparados a um registo elementar de 48 anos” explica ainda a equipa. As descobertas foram divulgadas no último mês, numa reunião da União Geofísica Americana, tendo sido, até agora, consideradas inovadoras.
De acordo com Mukund Palat Rao, um ecoclimatologista da Universidade da Califórnia, este estudo é o primeiro que recorre às árvores para reconstruir a qualidade histórica do ar. Uma vez que as árvores podem viver durante séculos ou mesmo milénios, observa, a técnica pode vir a ajudar os investigadores a acompanhar as flutuações na qualidade do ar antes do surgimento das estações de monitorização modernas.