O novo coronavírus está a fazer o que os governos do mundo não conseguem: várias estimativas apontam para uma redução muito significativa de emissões de gases com efeito de estufa devido à pandemia. O mais provável é que a acentuada redução na atividade económica provocada pelas medidas de contenção do Covid-19 resulte, no final do ano, numa descida líquida das emissões, responsáveis pelo aquecimento da temperatura média do planeta. A magnitude dessa descida depende do tempo que demorarmos a controlar o surto. Desde a crise financeira que as emissões globais não descem – em 2009, a queda foi de 1,3 por cento. A partir daí, o crescimento tem sido contínuo, a uma média de cerca de 1% ao ano.
A China, onde a infeção começou, é o país para o qual já há mais dados sobre a atual queda de emissões. Uma análise do site Carbon Brief, que avalia a evolução do dióxido de carbono, conclui que aquele que é o maior emissor do mundo, em termos absolutos, reduziu os gases com efeito de estufa em 25% em quatro semanas. Evitou-se assim que 200 milhões de toneladas de dióxido de carbono fossem parar à atmosfera. Para se ter uma ideia, Portugal emite cerca de 50 milhões de toneladas por ano. Ou seja, num só mês, a quarentena parcial chinesa foi suficiente para compensar as emissões de quatro anos do nosso país.
Esta diminuição decorre sobretudo de quebras na produção industrial entre 15% e 40 por cento. No caso da queima de carvão, a redução chegou aos 36%; na indústria de aço, 15%; a refinação de petróleo, 34 por cento. Também o dióxido de azoto (que provoca problemas respiratórios) caiu fortemente: 37%, ainda de acordo com os cálculos do Carbon Brief, baseados em imagens de satélite.
O cenário já terá começado a normalizar, na China, mas a recuperação será lenta, dada a globalização da economia. Grande parte da atividade industrial chinesa é impulsionada pela procura por parte de países ocidentais, sobretudo na Europa e na América do Norte, que se encontram neste momento com atividade comercial muitíssimo baixa. A montante, também afetará as emissões de grandes exportadores de carvão para a China (e para a Índia), como a Austrália. Além disso, há que levar em conta a redução do consumo na própria China, causada pela quebra de rendimentos de grande parte da população, durante a crise do Covid-19.
A situação chinesa estará agora a repetir-se em boa parte do mundo. Em Nova Iorque, o monóxido de carbono com origem nos automóveis caiu para metade, enquanto o dióxido de carbono sobre a cidade baixou entre 5% e 10%, concluíram investigadores da Universidade de Columbia (medições de trânsito apontam para até menos de um terço dos carros nas estradas nova-iorquinas). Na Europa, o corte de emissões será igualmente assinalável. Para já, dados da Agência Espacial Europeia mostram uma grande redução do dióxido de azoto no norte de Itália, epicentro da epidemia no Velho Continente.
Por seu lado, a aviação, que é responsável por 2,4% das emissões totais de gases com efeito de estufa, está a ser um dos setores mais afetados pelas medidas de contenção do vírus, com milhares de voos a serem cancelados (só a TAP cancelou 2 500). O tráfego aéreo comercial já descera 4,3% em fevereiro. Em março, segundo o site Flight Radar, a queda ia nos 7,3% nas primeiras duas semanas de março.
Mas como será quando terminar a crise do Covid-19? Podemos olhar para o que aconteceu há dez anos para tentar prever o futuro. E se a história se repetir, no que respeita ao aquecimento global, rapidamente as emissões voltam a subir, com um salto no arranque. Para impulsionar o consumo, os estímulos económicos pós-crise 2008/2009 provocaram uma subida de 5,9% das emissões globais, em 2010 (4,5 vezes mais do que haviam caído em 2009), o que significou um acréscimo de 500 milhões de toneladas de dióxido de carbono – a maior subida desde a Revolução Industrial.
Tudo dependerá do tipo de medidas de incentivo económico que serão tomadas depois de debelada a pandemia. Uma ideia na direção da sustentabilidade é fazer depender os apoios financeiros às companhias de aviação (muitas delas ficarão à beira da falência) de um corte efetivo de emissões.
Na realidade, esse objetivo até pode ser atingido deixando as coisas como estão: em 2016, as Nações Unidas firmaram um acordo com o setor da aviação para travar completamente as emissões, mantendo-as ao nível de… 2020 (quaisquer emissões suplementares terão de ser compensadas através de projetos de captura de carbono ou energias renováveis). Se este plano, o CORSIA (sigla inglesa de “esquema de compensação e redução de carbono para a aviação internacional”), se mantiver tal como está, o valor de base será extraordinariamente baixo. Mas é certo que o setor fará tudo para alterar o acordo, alegando que 2020 foi um ano atípico. Resta saber qual será a resposta dos governos.