Se acha que o vulgar pombo, que é uma subespécie do pombo-das-rochas e tem o nome científico Columba livia domestica, não passa de uma praga de centros urbanos, um rato voador que defeca por todo o lado espalhando doenças e sujando tudo, está enganado(a). Quer dizer, é certo que as suas fezes podem transmitir doenças com nomes engraçados tais como criptococose e histoplasmose (ambas causadas por fungos). E também é verdade que dão algum trabalho aos serviços de limpeza municipais. Mas o pombo é muito mais do que isso.
Em primeiro lugar, convém explicar que a população selvagem de pombo-das-rochas se distribui pela Europa, Norte de África e Sudoeste da Ásia, enquanto que o pombo doméstico tem uma distribuição mundial- que, aliás, contou com a nossa colaboração. Tal como o nome indica, o pombo-das-rochas nidifica em escarpas rochosas, alimentando-se em áreas agrícolas e não agrícolas de sementes de cereais, leguminosas e plantas selvagens. O pombo doméstico nidifica geralmente em construções humanas tais como edifícios, pontes, casas ou celeiros, alimentando-se de restos de comida e também daquilo que as crianças e os idosos se lembram de lhes dar. Existem, obviamente, contatos entre populações domésticas e selvagens desta espécie, sendo o seu cruzamento uma das principais causas do desaparecimento das populações selvagens. Isto é um bocadinho como a história do romance entre a índia Pocahontas e o Capitão Smith, com um fim desfavorável para os índios, mas em versão para pombos.
Também podemos olhar para os pombos como atletas de alta competição do mundo das aves. Graças aos seus poderosos músculos de voo, o pombo pode manter uma velocidade de quase 100 km/h durante várias horas, batendo as asas até dez vezes por segundo. De seguida, podemos realçar as suas capacidades de orientação em voo, sabendo quase sempre o caminho para a sua “casa”. Apesar de ainda não se conhecer este mecanismo em detalhe, sabe-se que usam diferentes estímulos para se orientar: quando conhecem bem a área, utilizam elementos da paisagem como rios ou estradas; quando a conhecem mal ou voam em locais sem elementos distintivos (por exemplo, o mar), podem guiar-se pela posição do sol, das estrelas ou pelo campo magnético presente em determinado local. Segundo trabalhos de investigação recente feita por um grupo de biólogos que é liderado por um português, e ao contrário do que se pensava, os pombos não usam o olfato para se orientar. E a mim, cheira-me que eles têm razão…
Supõe-se que o pombo foi domesticado há mais de 5000 anos, tendo sido amplamente usado ao longo da História para transportar mensagens. Apesar de terem sido usados pombos-mensageiros durante a I Guerra Mundial, houve dúvidas entre os países Aliados se este serviço alado ainda seria relevante na II Guerra Mundial face ao uso generalizado do rádio. Felizmente, foi decidido que sim, tendo havido muitas ocasiões em que os pombos salvaram a vida de soldados.
Por exemplo, a 23 de fevereiro de 1942, um bombardeiro inglês foi atingido por fogo inimigo e enviou apenas um sinal de S.O.S. antes de se despenhar no Mar do Norte. Os quatro tripulantes sobreviveram, mas ficaram à deriva num bote e sem hipóteses de comunicarem a sua posição exata no mar. Como era habitual, esse bombardeiro trazia um pombo a bordo- neste caso, chamava-se “Winkie”- que foi enviado sem qualquer mensagem. Mesmo molhado e com óleo nas asas, esse pombo voou mais de 190 quilómetros até chegar ao seu pombal. Pela diferença entre as horas do despenhamento do avião e a chegada da ave, e tendo em conta a direção do vento e as condições do pombo, foi possível determinar a localização aproximada do bote e salvar esses homens. Durante esta guerra, os alemães teriam mesmo treinado falcões peregrinos (um predador natural de pombos) e atiradores, de modo a intercetar as mensagens enviadas pelos Aliados.
Portanto, a próxima vez que vir um pombo num jardim, lembre-se que se trata de um exímio voador com grande capacidade de orientação, cujos antepassados tiveram um papel importante como mensageiros ao longo da História. Mas atenção, que eles fazem cocó em voo quando menos se espera…
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