AS TENDÊNCIAS ENCICLOPÉDICAS e de descrição regional (as corografias), que se difundiram nos séculos XVII e XVIII e que foram ampliadas pelo sistema de ensino, com a sua lista de nomes de lugares, países e formas de relevo, distritos e regiões, produtos cultivados e ferrovias, contribuíram para criar uma imagem popular da Geografia que a associa a um conhecimento, de caráter generalista cuja utilidade social se reduz a meia dúzia de elementos que contribuem para a formação básica dos indivíduos e que, pelo caminho, ajudam a ganhar uns concursos de televisão. Como referia o pioneiro da Geografia Portuguesa, Silva Telles, já em 1916, esta perspetiva tem vistas curtas.
A GEOGRAFIA ADOTA UMA ATITUDE explicativa, procurando identificar, com recurso ao método científico, respostas para questões socialmente relevantes. Numa escala macro, as influências da afirmação do espaço-rede (da internet, dos fluxos financeiros, do comércio…) sobre o modo como se organizam as comunidades são exemplo de uma destas questões, tal como compreender os motivos que justificam a deslocação dos centros de poder do “Mundo Ocidental” para a Ásia. Ao nível regional ou local, a eventual associação entre concentração espacial de determinados grupos sociais e a eclosão de conflitos, como os que recentemente ocorreram em Londres, emerge como outra questão que requer uma resposta de caráter geográfico, assim como perceber as consequências sociais resultantes do agravamento dos riscos de desertificação. O que dá um lugar próprio à Geografia é a centralidade que atribui aos processos espaciais e às perguntas “onde?” e “porquê aí?”. Para as respostas que constrói, utiliza conceitos geográficos como região, lugar ou escala e convoca elementos de outras disciplinas científicas. Como dizia Orlando Ribeiro, “a Geografia é a ciência da Terra, no conjunto e na diversidade”.
O CONHECIMENTO GEOGRÁFICO também é útil em matérias políticas e técnicas. Não há Ordenamento do Território sem Geografia e só tem qualidade se promovermos um desenvolvimento regional harmonioso, que impeça o isolamento dos espaços periféricos e compense os problemas das grandes metrópoles (sobrecarga das infraestruturas, níveis elevados de poluição…). Tomar decisões corretas sobre a eventual extinção de municípios, a identificação dos elementos de atração turística dos territórios ou o realojamento de populações expostas a riscos ambientais elevados implica um conhecimento geográfico.
E, claro, o conhecimento geográfico facilita o nosso quotidiano e faz de nós cidadãos mais conscientes para assuntos como as opções energéticas ou a progressiva diversidade cultural das populações. Precisamos, por isso, de adquirir um sentido de orientação mais eficiente (o GPS, tal como a máquina de calcular, permite obter resultados de forma rápida e rigorosa, mas não dispensa os conhecimentos necessários à formulação do problema e à interpretação dos resultados), de interpretar devidamente mapas, de entender processos como as alterações climáticas ou a urbanização e de adquirir uma identidade geográfica mais forte e uma consciência mais viva das injustiças espaciais.
Por tudo isto não acredite se um dia lhe disserem que um pretenso geógrafo, questionado sobre o local onde se encontravam três pessoas perdidas que se deslocavam num automóvel, respondeu de forma certa, mas claramente inútil “Ora, não sabem que estão num carro!? ” Um verdadeiro geógrafo não responderia assim.
Bibliografia recomendada
- GEOGRAFIA DE PORTUGAL
Coordenada por Carlos Alberto Medeiros
(Círculo de Leitores) - PORTUGAL. O MEDITERRÂNEO E O ATLÂNTICO
Orlando Ribeiro
(Livraria Sá da Costa) - O ENIGMA DO CAPITAL E AS CRISES DO CAPITALISMO
David Harvey
(Bizâncio) - A NATUREZA DO ESPAÇO. TÉCNICA E TEMPO. RAZÃO E EMOÇÃO
Milton Santos
(Hucitec)
Quem é Jorge Malheiros?
Nascido em 1966, Jorge Malheiros é doutorado em Geografia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sendo atualmente professor no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da mesma universidade. Coordena o Núcleo de Estudos Urbanos do Centro de Estudos Geográficos, fundado por Orlando Ribeiro, e é especialista em migrações, área na qual realiza uma grande parte da sua investigação