Quando pensamos em hortas, o nosso pensamento afasta-nos das grandes cidades e projeta-nos para as aldeias. Descobrimos, agora, que estes novos espaços de cultivo existem bem perto dos residentes de Lisboa e de Cascais. Estão “escondidos ” no meio dos prédios das novas urbanizações, como é o caso da Horta de Outeiro de Polima (na freguesia de São Domingos de Rana, Cascais), na movimentada zona da Graça ou inserida no Parque Monteiro-Mor, que pertence ao Museu Nacional do Traje, em Lisboa.
Com diferentes ambientes e regras de funcionamento próprias, em todas elas encontramos utilizadores de todas as idades e ocupações profissionais, que têm em comum a forte motivação e amor à natureza.
Aqui, a falta de experiência na área da agricultura não é suficiente para os afastar das enxadas e das foices, seja no verão seja nos dias mais frios do inverno. Mais do que aquilo que retiram da terra (que todos confessam ser um complemento saudável à sua alimentação), trocam-se conhecimentos, experiências e combate-se o stresse. Sem dúvida, um lugar de trabalho mas também de convívio.
A HORTA DO MONTE
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De Arco de Valdevez, a sua terra natal, trouxe 26 anos de experiência de vida dedicada à lavoura, que nem os 34 anos de cozinheiro conseguiram matar “as saudades de trabalhar a terra”. Gosta de aqui vir quase todos os dias, simplesmente para se entreter e apanhar sol (mas também vento e chuva). “E sempre faço exercício físico”, explica. Não mede palavras quando fala do seu colega de trabalho alemão, da parcela vizinha: “Criámos um género de sociedade, onde fazemos trocas comerciais “, diz, bem-disposto. Luz Bilro, 46 anos, é a segunda “agricultora ” a chegar. Neste momento está a preparar a horta para as colheitas de verão (em breve, espera vir a semear abóboras, feijão, alfaces e rúcula). Chegou ali em agosto de 2010 e lá continua a ir todas segundas, quartas, sextas e sábados. A motivação ganhou-a após ter participado num workshop na Agrobio, mas quando os vasos da varanda deixaram de ser suficientes para saciar a sua vontade de trabalhar a terra, procurou mais e encontrou o que precisava nesta horta localizada na Graça.
Quem também apareceu foi a norueguesa Astrid Susaas, 27 anos, socióloga, a viver em Lisboa há três meses. Depois de ter tomado conhecimento deste espaço, através da internet, não adiou a vontade de participar na horta comunitária. Sem nada previamente marcado, apareceu e apresentou os seus serviços, os quais foram aceites, no momento, pelos colegas. A sua primeira tarefa foi cortar as ervas daninhas, de forma a criar caminhos, a qual desempenhou com um sorriso nos lábios.
Mas esta horta não seria a mesma sem a presença de Inês Clematis, a sua dinamizadora. Sobre esta experiência diz: “É feita das pessoas que por cá têm passado. E o que nós gostaríamos de preservar é exatamente esse ‘espírito orgânico’ que todos os participantes se sintam parte integrante.”
São estes pensamentos que fazem que a “horta esteja mais próxima de um ritmo de crescimento natural, de acordo com os próprios princípios da natureza”.
OUTEIRO DE POLIMA, CASCAIS
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Como vive a poucos minutos da sua parcela de terra, no verão é frequente vê-lo por estas paragens, “quase todos os dias”. Mas quando o tempo arrefece e a terra não exige regas frequentes, como é agora o caso, elege os fim de semana para dar uma espreitadela às suas culturas.
Mas não é à toa que mantém este protagonismo. Dedicou toda a vida à agricultura. “Nunca fui um hortelão, fui um produtor de algodão, em África. Mas também me dediquei ao gado e ao leite cá em Portugal”, avança. Seja pelo gosto de ver e cuidar de plantas (Manuela Viegas), pelo prazer de estar ao ar livre e no campo (Nadir Pacheco), por já ter algumas bases nesta matéria (Guida Marques) ou por se dedicar a um passatempo (Hugo Henriques) a verdade é que estas idas à horta já fazem parte da rotina de todos os nossos “agricultores”. Aqui não se trocam apenas couves, ervas aromáticas, alfaces, alhos ou cebolas as experiências valem muito mais do que o “material” trocado. “Na horta perdemos a noção do tempo”, acrescenta a técnica de informática Manuela Viegas. “E também se ganham amigos”, acrescenta o sorridente Alberto Caetano. Estes motivos, aliados ao facto de os “produtos terem outro sabor”, reforçam a vontade de cultivarem.
No concelho são, ainda, disponibilizadas aos munícipes outras cinco hortas com propriedades idênticas a esta (em funcionamento estão já as hortas localizadas no Alto dos Gaios, no Outeiro de Polima e no Bairro de São João e em Carcavelos, brevemente, vão estar a do Bairro 16 de Novembro, Alto da Parede e São Pedro do Estoril), todas elas criadas no âmbito do projeto Hortas de Cascais, da Agenda Cascais 21. Para os responsáveis Joana Silva e André Miguel, os objetivos passam por “potenciar o espírito comunitário, promover a sustentabilidade e dinamizar estes espaços pertencentes à autarquia”.
Para se inscrever, precisa ser residente neste concelho (é obrigatório), pagar uma taxa simbólica de €5, participar na aulas de formação (quatro sessões de duas horas, duas práticas e duas teóricas), cumprir as regras estabelecidas no regulamento, assim como utilizar as técnicas de agricultura biológica.
NÚCLEO DE HORTAS DO MUSEU NACIONAL DO TRAJE
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Tal como o vizinho, não foi a crise que a trouxe até aqui, apesar “ser um excelente complemento, quer por ser fruto do nosso trabalho quer pelo sabor dos produtos”, remata.
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‘QUE CADA UTILIZADOR APROVEITE BEM A ÁGUA’
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Falámos com Rui Costa, o arquiteto responsável pelo Parque Monteiro-Mor, e ficámos a saber o que é necessário fazer para se transformar num agricultor
Como são atribuídos os talhões? É preciso preencher a ficha de candidatura e participar na licitação (é fixada uma base por metro quadrado e por ano). Quem licitar o valor mais elevado tem mais hipóteses de o receber (em caso de empate é a proximidade da morada de residência que dita o selecionado).
Quais são as principais regras de funcionamento? Não pode abandonar o terreno, nem vedá-lo (é um parque aberto ao público). É obrigatório que cada utilizador faça uma boa utilização e aproveitamento da água proveniente das nascentes do parque e não é permitido cultivar árvores e arbustos.
Quando se realiza o próximo concurso? Em setembro.
Quantas parcelas existem? Atualmente, em cultivo, existem cerca de 30 talhões, com dimensões entre os 40 e os cem metros quadrados.
Quais são as culturas mais utilizadas? Couves, alfaces, favas, cebolas, nabiças, feijões, tomate, morangos, ervas aromáticas, groselhas, framboesas e maracujá.
PARQUE AGRÍCOLA DA ALTA DE LISBOA
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DR
A gestão dos dois hectares, pertencentes à Câmara Municipal de Lisboa, foi entregue à Associação para a Valorização Ambiental da Alta de Lisboa, que contou com a ajuda da empresa de arquitetura paisagista Biodesign para a sua projeção. As diferentes dimensões dos talhões (com 25, 50, 75 e 100 metros quadrados) permitem aos futuros utilizadores praticarem uma agricultura de recreio ou de complemento ao rendimento familiar (existe a possibilidade de venda de excedentes num mercado local), dependendo das suas necessidades. Assim, a partir de setembro (data prevista de abertura) nestas parcelas poderão ser cultivadas plantas aromáticas, medicinais e hortícolas, em modo de produção biológico (vão ter o apoio da Agrobio). O preço pelo usufruto destas parcelas ainda está a ser discutido com a autarquia local.