Caminhamos para 2011, não ao som de temas como Jingle Bells e White Christmas, mas sim de algo que passou a fazer parte do nosso dia-a-dia, desde um passado mais ou menos recente: ameaças pendentes e vigentes de crise, de planos de austeridade, de visitas indesejadas (ou não) do FMI. Tudo isto enquanto assistimos à trágica novela daqueles que se digladiam pelo controlo do leme de um navio em progressão vertical, com a ajuda dos próprios e de muitos outros, ao invés de trabalharem na, talvez não tão apetecível, tarefa de remoção da água e reparação dos tantos, tantos, buracos que o estão a levar ao fundo.
Mas a crise, para os Portugueses, é como a “gripe A”. À excepção daqueles que sentiram o seu efeito na pele, quer por espirros e febres, quer por despedimentos e cortes salariais, muitos de nós vão deixando de sentir o peso da ameaça quando esta não nos é colocada à frente dos olhos, diariamente, pelos meios de comunicação social.
E assim os Portugueses lá começaram a sua rotina anual de corrida frenética a um quase infinito número de itens disponíveis, que se transformarão nas prendas a serem trocadas entre 24 e 25 de Dezembro, como celebração do que para cada um significar o Natal.
Mas este ano há algo mais que teima em recordar os Portugueses de quem nem tudo corre como antes. Este ano, muitas autarquias reduziram a iluminação de Natal nas suas ruas, chegando mesmo algumas (como a onde habito) a suprimi-las totalmente. Como nos anos em que a Hogwarts, de Harry Potter, não se enfeitou de ponta-a-ponta, nem se entregou ao rico banquete de Natal perante a ameaça de algo negro, também sobre o Natal dos Portugueses paira uma nuvem invisível, que deixa na atmosfera a sensação de que algo não está bem.
Ainda que um confesso aficionado do Natal e de tudo o que o rodeia (iluminação de rua incluída), e tendo mesmo sentido algum desapontamento por não encontrar nas ruas da minha cidade os sinais claros da época, forcei-me a procurar o outro lado desta medida de redução de custos.
Com toda esta redução poupou-se muito mais do que dinheiro. Poupou-se em todo o material de que eram constituídas as decorações; nos quilómetros de fio que permitiam a sua electrificação; e nos megawatts de energia eléctrica que seriam necessários ao seu funcionamento. Este somatório de redução funciona tanto para a economia, como para o ambiente. Foi matéria-prima que não foi consumida em algo altamente descartável; foram todos os resíduos que não tiveram que ser tratados; foi todo o desperdício que foi evitado; foi toda a energia eléctrica, longe de ser limpa e renovável, em particular no nosso país, que não foi gasta.
Com uma medida de redução de custos, levantou-se, ainda que numa ínfima fracção, um pouco da pressão que todos os anos colocamos no nosso planeta. Não é uma novidade. Não é uma correlação nova. Quando poupamos recursos pesa-nos menos no bolso, mas também no ambiente.
A crise não é de todo desejável, mas pode ser transformada numa oportunidade de alteração de hábitos, assim usemos a nossa criatividade.
Mas nem tudo tem que ser como a iluminação de rua. Nem tudo tem que ser cortado. Muito pode ser simplesmente melhor aproveitado, ou reaproveitado. Deixo-vos uma questão: já repararam o quão colorido fica um embrulho, quando constituído por folhas de revista?
Quanto a este ano, Hogwarts pode não estar coberta de enfeites de Natal, luzes e guloseimas, assim como a cidade onde vivo pode parecer menos natalícia, mas o planeta pode, durante alguns breves instantes, respirar um pouco mais de alívio.