Qual foi exactamente a sua investigação em Portugal?
O meu principal objectivo era ver até que ponto a directiva europeia sobre água estava a ser aplicada na bacia do Guadiana. Fundamentalmente, a directiva prevê que a gestão deve basear-se mais nas bacias individuais dos rios do que em limites municipais ou jurídicos. “E também exige mais participação pública. Apesar dos progressos significativos do Instituto Nacional da Água (INAG) na definição dos limites das novas bacias a gerir, muito pouco mudou em termos da gestão propriamente dita. Em particular, a participação pública é muito fraca, uma vez que o INAG não fornece muita informação aos interesses locais. Creio que a política de “portas-fechadas” do INAG abrandou a aplicação da directiva e poderia dificultar a capacidade das localidades em responderem ao impacto das alterações climáticas nos seus recursos aquíferos.
Em todo o mundo, que consequências terão as alterações climáticas nos aquíferos?
Vão variar muito de local para local. Mas deixo aqui algumas das previsões feitas em 2007 pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas. Mais de um sexto da população mundial vive em áreas que obtém água potável do degelo de glaciares ou da neve. Ora, o aumento das temperaturas vai alterar o ritmo do degelo. E a subida do nível do mar irá estender áreas de salinização de aquíferos e estuários, o que resultará numa diminuição da água potável. Outra conclusão é que a precipitação será mais variável e intensa, o que significará maiores riscos de inundações e secas em muitas zonas. Por exemplo, a bacia do Mediterrâneo, o Ocidente dos EUA, a África meridional e o Nordeste do Brasil verão os seus recursos aquíferos reduzidos.
Que zonas serão mais afectadas pelas alterações climáticas?
Todas, embora de formas diferentes. As regiões costeiras sofrerão mais cedo os impactos, porque a subida do nível do mar afectará as comunidades locais e nalguns casos irá contaminar os recursos de água doce.
Como é que a água do mar contamina a doce?
À medida que o nível do mar sobe, devido ao aumento das temperaturas, a água salgada pode chegar aos sistemas de água doce, particularmente os estuários. Por exemplo, o do Tejo pode ficar mais salgado, tornando-se inabitável para algumas espécies. O mesmo pode acontecer ao estuário do Guadiana, devido à construção da barragem do Alqueva, que reduz o fluxo de água doce para o mar. Também os aquíferos subterrâneos podem ser contaminados. A intrusão de água salgada é agravada pela bombagem de água de poços para consumo humano. A água do mar também se torna mais invasiva em zonas, por exemplo, como a periferia de Lisboa, que está coberta com pavimentos e edifícios, o que impede muita da infiltração das chuvas no solo. Isto também explica as inundações frequentes nas zonas baixas da cidade, porque a água se acumula em vez de se infiltrar no solo.
E pode impedir-se a contaminação salina?
Sim, se houver menos obstruções ao curso dos rios, por exemplo, e se construírem menos barragens. Outras soluções serão tirar menos água dos poços e desenhar áreas urbanas que não impeçam a infiltração das chuvas.
Em que regiões os recursos de água estão a atingir os limites?
São demasiadas para poder divulgar aqui a lista.
Quantas pessoas continuam sem acesso a água potável?
Isso sucede sobretudo em África. Mas a incapacidade de levarmos água potável a milhares de milhões de pessoas em todo o mundo é talvez o maior fracasso do desenvolvimento humano no séc. XX. Por isso, doenças como cólera, desinteria ou as provocadas por parasitas estão a aumentar em muitos países em vias de desenvolvimento. Anualmente são comunicados quase 250 milhões de casos relacionados com falta de água e que causam 5 a 10 milhões de mortes.