Em junho, a Organização Meteorológica Mundial estimava que havia 80% de probabilidade de um ano do período entre 2024 e 2028 ultrapassar o limite de 1,5°C do Acordo de Paris, assinado em 2015. Seis meses depois, descobrimos que esse valor será ultrapassado já em 2024.
De acordo com o C3S – Serviço Copernicus para as Alterações Climáticas, da União Europeia, com os dados do mês passado já disponíveis (novembro ficou 1,62 C acima da média do período pré-industrial), é certo que este ano ficará acima de 1,5°C. Os cientistas do C3S apontam para uma temperatura média global da atmosfera à superfície de 1,6°C, o que vaporiza o recorde estabelecido em 2023, de 1,48°C.
“Com os dados do Copernicus relativos ao penúltimo mês do ano, podemos agora confirmar com quase toda a certeza que 2024 será o ano mais quente de que há registo e o primeiro ano civil acima de 1,5°C”, diz Samantha Burgess, subdiretora do C3S, em comunicado. “Isto não significa que o Acordo de Paris tenha sido violado, mas significa que uma ação climática ambiciosa é mais urgente do que nunca.” Só se considera que o limite ideal de Paris é ultrapassado quando a média de uma série de vários anos ficar acima de 1,5°C.
Apesar disso, há uma óbvia carga simbólica no facto de um ano de calendário ultrapassar aquele valor (já antes tinha havido um período de 12 meses acima de 1,5°C, entre fevereiro de 2023 e janeiro de 2024). Mais do que nunca, a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris parece inalcançável. E quanto mais alta a temperatura média, maiores serão os impactos climáticos.
Para que ainda houvesse alguma hipótese de manter o aumento da temperatura em valores condizentes com o que ficou definido na Cimeira do Clima de 2015, as emissões de gases com efeito de estufa teriam de ser reduzidas em 43% até ao fim desta década. Ao invés, continuamos num percurso ascendente: em 2024, as emissões subiram 0,8%, face ao ano anterior. Desde que o Acordo de Paris foi assinado, as emissões aumentaram 8%.
Consequências dramáticas
O que foi acordado na Cimeira do Clima que decorreu em novembro no Azerbaijão pouco impacto terá para travar o aquecimento global (o foco foi no financiamento climático dos países mais pobres). Há, no entanto, algumas notícias encorajadoras. Um relatório do Global Carbon Budget, publicado no mês passado, mostra que 20 países conseguiram fazer crescer as suas economias ao mesmo tempo que diminuíam as emissões de gases com efeito de estufa, entre 2014 e 2023 – a dissociação entre crescimento económico e as emissões são o “santo graal” do combate às alterações climáticas. Um deles é Portugal. Mas estes países representam apenas 23% das emissões globais.
As consequências de uma temperatura média mais elevada são dramáticas. Uma análise do Carbon Brief a 600 estudos conclui que três em cada quatro fenómenos climáticos extremos nos últimos 20 tornaram-se mais prováveis ou graves devido às alterações climáticas. Em vários casos, os investigadores determinaram que a ocorrência desses fenómenos (ondas de calor, secas severas e grandes tempestades) teria sido “virtualmente impossível” sem o efeito das emissões antropogénicas de gases com efeito de estufa.
Isto com uma temperatura da atmosfera 1,3°C mais elevada do que na segunda metade do século XIX. Segundo o Climate Action Tracker, um projeto científico que analisa o progresso climático, com as políticas atuais (as contribuições nacionalmente determinadas, ou seja, as medidas implementadas pelos países), o planeta encaminha-se para um aumento de temperatura de mais do dobro – 2,7°C. Um aumento deste calibre acarretaria consequências catastróficas. Em Portugal, os impactos mais preocupantes são as ondas de calor, secas mais frequentes no Sul, risco acrescido de incêndio e tempestades mais intensas, além da subida do nível médio do mar. lribeiro@visao.pt
Um 2024… agitado
Alguns dos destaques climáticos do ano que passou
+1,6ºC
Pela primeira vez num ano completo, a temperatura média global da atmosfera será mais alta do que o limite máximo ideal do Acordo de Paris. Esse valor, de 1,5ºC, já havia sido atingido numa série de 12 meses, mas nunca num ano de calendário.
+1,62ºC
A diferença da temperatura média de novembro face à média do período pré-industrial. Dos últimos 17 meses, 16 bateram o recorde de temperatura.
€308 mil milhões
É o valor estimado das perdas económicas associadas a desastres meteorológicos, um aumento de 6% face a 2023 (o segundo ano mais quente) e de 25% relativamente à média dos últimos dez anos.
Top 10
Todos os anos dos últimos dez são mais quentes do que qualquer outro desde que há registos. 2005, o primeiro do século XXI a bater o recorde de temperatura média global, ultrapassando 1998, é agora apenas o 13.º ano mais quente.