Afinal, a escassez de água não leva as plantas a adotarem as mesmas estratégias de sobrevivência. Pelo contrário: quando sob pressão da aridez, as plantas diversificam as suas defesas. É esta a principal conclusão do estudo científico “Diversidade fenotípica imprevista de plantas num mundo seco e pastoreado”, publicado na Nature, que contou com a participação de 120 cientistas de 27 países.
“O cruzamento de um limiar de aridez de aproximadamente 0,7 (perto da transição entre zonas semiáridas e áridas) levou a um aumento inesperado de 88% na diversidade de características”, resume o estudo.
Os investigadores admitem ter ficado espantados com os resultados, que é o oposto do que esperavam encontrar. “O mais surpreendente é que, a partir de um certo nível de ariedez, notava-se um aumento de diversidade de valores destas características, uma diversidade funcional de estratégias”, explica Alice Nunes, investigadora do cE3c (Centre for Ecology, Evolution and Environmental Changes), da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, uma das co-autoras do estudo (que, no caso português, contou também com a investigadora Cristina Branquinho e uma equipa de técnicos no trabalho de campo).
Isto significa, por exemplo, que, em caso de secura do seu ambiente, uma planta pode “decidir” procurar água estendendo as suas raízes em profundidade, ao passo que a planta do lado “opta” por tornar as raízes mais superficiais, em busca de água perto da superfície.
“Dá-se um boom de estratégias quando a precipitação média baixa para 400 milímetros anuais, o que acontece no Alentejo em alguns anos”, diz Alice Nunes. “É um salve-se quem puder que contraria a hipótese de que ficavam parecidas umas com as outras. Não vão todas procurar o recurso escasso da mesma maneira.”
Uma das hipóteses para a variedade de armas contra a aridez que as plantas desenvolvem é a menor contacto entre elas. “Neste limite de 0,7 [de aridez], havia um colapso, com menos 50% de solo coberto com plantas. As plantas ficam mais isoladas umas das outras, pelo que há menor competição entre elas e menos interações positivas. Há uma grande heterogeneidade na distribuição dos recursos, no espaço e no tempo, muita sazonalidade e maior imprevisibilidade, o que pode ser uma das explicações da variabilidade de estratégias.”
No papel, esta descoberta pode ser uma boa notícia para a adaptação às alterações climáticas (que, para grande parte de Portugal, deverão fazer aumentar a desertificação) – se soubermos aproveitá-la, avisa Alice Nunes. “Tudo depende do que fizermos com esta informação. As zonas áridas são um reduto de diversidade, o que nos dá um elenco de possibilidades para quando pensamos em estratégias para lidar com a desertificação, em ferramentas para recuperar os ecossistemas. Mostra-nos que não devemos pôr os ovos todos no mesmo cesto. É uma lição que a natureza nos ensina, a prova de que a diversidade é importante para a resiliência a médio e longo prazo.”
O estudo foi realizado ao longo de oito anos e passou pela análise de mais de 1300 conjuntos de observações de 300 espécies, em todos os continentes exceto a Antártida. Em Portugal, as amostras de plantas foram recolhidas nas regiões de Castro Verde e Grândola (Alentejo) e na Companhia das Lezírias (Ribatejo).