Durante as últimas duas semanas, em Sharm el-Sheikh, no Egipto, fomos assistindo às negociações de Alto-Nível para invertermos a tragédia climática anunciada. Diversas são as opiniões, as posições e os caminhos, assim como as causas e as interpretações das mesmas que nos colocam nesta situação. No entanto, uma coisa é certa. O state of the art é apenas um, e a ciência não se tem enganado nos últimos séculos. O “Emissions Gap Report”, com o título alarmante “The Closing Window”, apresentado na COP27 e mencionado juntamente com o “Adaptation Report”, com um título provocatório, “Too little, too slow”, foi um dos momentos importantes. Ainda assim, não criou o impacto esperado nas conversas laterais. Estes dois documentos-diagnóstico e preditivos, são fundamentais para sabermos onde estamos, de onde vimos e para onde vamos, com os diferentes cenários, para alcançar as metas do Acordo de Paris. E na verdade, se continuarmos neste ritmo, a Humanidade conduzirá o Planeta para o inferno e a um ponto de não retorno.
As duas COP
A COP27 foi claramente marcada por dois ambientes distintos e completamente diferentes do ponto de vista da direção. Esta foi a segunda maior COP de sempre, com 33.449 participantes, de mais de 160 países. Glasgow lidera a 1.a posição com 38.457, seguida por Paris, com 30.372. Com mais de 3000 organizações (ONGs e Media) e com mais de 100 expositores, talvez por este motivo, esta COP fique marcada pela ambição da sociedade civil dentro das conferências, mas com as manifestações no exterior totalmente controladas e fiscalizadas. Notou-se bem que as ONGs, as redes, as empresas, as cidades e as delegações dos países presentes estavam um passo à frente das negociações. Enquanto os líderes e representantes se esforçavam para chegar a um difícil consenso numa Conferência entre as partes, batizada pela COP da ação e “implementação”, a sociedade civil, em milhares de palestras e reuniões bilaterais simultâneas, debatia e partilhava boas práticas de ações concretas, ao nível da redução, eliminação e sequestro de emissões, sistemas de contabilidade, monitorização e mecanismos de financiamento para os ecossistemas, projetos de energia por fontes renováveis, combate à seca, aumento da eficiência hídrica, sistemas de alimentação sustentáveis, saúde planetária, ações de educação e sensibilização ambiental, combate à pobreza, igualdade e direitos humanos e ainda o papel prático das cidades para a ação, adaptação, mitigação e resiliência climática.
Dos líderes, destacam-se as intervenções do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, que marcaram a agenda, nomeadamente com a frase acutilante “estamos numa auto-estrada para o inferno climático e temos o nosso pé no acelerador”, bem como o combate ao GreenWashing, sustentado cientificamente, que de forma inteligente, colocou o “dedo na ferida” no momento em que se falava de indicadores, sistemas de monitorização e metas a alcançar.
Desta contextualização, não ficámos mais animados quando, ao longo dos dias, fomos percebendo o quão difíceis estavam as negociações entre as partes. Não é um caminho fácil exigir-se, por um lado, cada vez mais financiamento e mais apoio para a adaptação às alterações climáticas, bem como para o novo mecanismo de danos e perdas causados pelas catástrofes ambientais, e, por outro, mais ambição na mitigação, com maiores metas de redução de emissões, de abandono dos combustíveis fósseis, aumento de energias renováveis e de sequestro de emissões e proteção dos ecossistemas e da biodiversidade. A tudo isto, acresceu a dificuldade de chegar a acordo sobre a eficácia da aplicação e operacionalização, tendo em conta que se exige que a ação seja justa, imediata e eficiente, já a partir de 2023 e 2025, nomeadamente no que respeita aos financiamentos.
Ainda assim, nem tudo foi negativo. Muito do trabalho realizado não pode ser visto como tendo sido em vão, como muitos vaticinam. Existem mais-valias nestes processos e, na verdade, os sinais que estão a ser dados aos mercados e às empresas são sinais de mudança e de valorização da proteção e preservação da natureza e do combate ao aquecimento global. As metas definidas e o financiamento alocado, ainda que fiquem longe do que se pretende nesta fase, terão o condão de permitir uma alavancagem a partir do exterior e de se continuar o processo de desenvolvimento sustentável.
Mas não chega. Permanece a necessidade de chegar a acordo em questões básicas, como o estatuto jurídico do clima, a gestão das áreas comuns ou das no one zones, um sistema métrico internacional para o ambiente e clima, a criação de sistemas de contabilidade ecológica, do global para o local, e por fim os mecanismos financeiros aplicados em função das metas e do desempenho ambiental alcançado.
De qualquer das formas, e apesar de inúmeras sessões terem valorizado estas temáticas, saímos da COP27 com questões que ficam por responder, nomeadamente: como vamos sustentar o planeta com 8 mil milhões de habitantes e com a previsão de 10 mil milhões? Em que aqui entra a derradeira temática da agricultura e os sistemas de alimentação; Ou quando vamos ter um reconhecimento e um pagamento dos serviços prestados pela natureza à humanidade, em vez de continuar a colocar dinheiro apenas nos danos e perdas provocados pelas alterações climáticas? Isto porque continuamos, insistentemente, a correr atrás do prejuízo ou de olhar no ótica de fazer menos mal ao ambiente, em vez de passarmos a fazer o bem, limpando a atmosfera e valorizando as emissões negativas.
Lula, the game changer
Esta COP foi também marcada por momentos extremamente significantes e que ditam a mudança de tendência. Desde logo, pelo facto de os EUA e a China se terem sentado à mesa das negociações pelas alterações climáticas, ainda que com a crescente tensão em Taiwan. Ainda assim, o momento mais significativo foi o discurso do Presidente brasileiro recentemente eleito, que aponta em todas as direções. Do Brasil ao Mundo, de farpas a Bolsonaro às críticas da governança global, Lula da Silva praticamente decretou o fim do “desmatamento” na Amazónia, anunciou o Ministério das Populações Indígenas, cobrou aos países desenvolvidos o financiamento em falta do Fundo de Adaptação, candidatou-se à organização da COP30, em 2025, terminando com a componente mais estruturante do discurso, com críticas ao modelo de governança das Nações Unidas, reclamando o seu lugar como membro permanente do Conselho de Segurança e afirmando que não faz sentido governar na mesma ótica do pós 2ª guerra mundial. Resumindo: nesta COP, Lula veio dizer que o Brasil voltou e o Mundo mudou, independentemente da ordem.
Para as lutas climáticas que se avizinham, este sinal de Lula é visto como um sinal de esperança para o Mundo, que nos deve orgulhar por vir de um País amigo de Língua Portuguesa. A COP30, em 2025, será marcante e determinante para o novo modelo económico no Mundo. Até lá, ainda há, com toda a certeza, muito para trabalhar.
Portugal, a inspiração
Nesta que é uma das maiores reuniões de líderes mundiais, onde a sociedade civil participa massivamente, Portugal destacou-se pela positiva e foi um dos Países mais bem visto no panorama internacional. Não só comunicou a antecipação de metas, nomeadamente com a possibilidade de antecipar a neutralidade carbónica para 2045, com ênfase na mitigação, nomeadamente com o objetivo de atingir 80% de energia por fontes renováveis já em 2026 e não em 2030. Prevê-se agora a respetiva revisão do PNEC2030, assim como o reforço da solidariedade, com o aumento do apoio aos países mais vulneráveis, com a contribuição para o Fundo de Adaptação, e no compromisso do mecanismo para as Perdas e Danos. Portugal anunciou ainda, que passará a estar presente com um pavilhão, a partir da COP28, no Dubai, com o objetivo de divulgar as boas práticas e resultados nacionais e dar a conhecer muitos dos projetos desenvolvidos nas mais diversas áreas, como a água, a energia, a mobilidade e a biodiversidade, permitindo a participação da sociedade civil, das empresas, cidades e organizações não governamentais.
Em simultâneo, ao longo das duas semanas, as notícias de rankings iam despoletando como cogumelos, destacando a subida de 2 lugares de Portugal, no índice de desempenho climático (CCPI), desenvolvido pela Germanwatch e pelo NewClimate Institute, e publicado em conjunto pela Rede Internacional de Ação Climática (CAN International). Portugal passa, assim, de 16º para 14º, no total de 59 Países, com melhores políticas climáticas, uso de energia renovável e quantidade de emissões de gases com efeito de estufa, sendo que as três primeiras posições não estão ocupadas, por não existirem paises que se enquadrem nesse nível de exigência. Isto significa que Portugal tem a 11ª posição, para a qual contribui o fecho antecipado das centrais a carvão, os projetos de investimento no solar e no eólico, bem como a primeira Lei de Bases do Clima.
A terminar, o ranking de países mais atrativos do mundo para o investimento em energias renováveis (RECAI), que classifica os 40 principais mercados do mundo em matéria de investimento em renováveis, viu a posição de Portugal ser revista de 23º lugar para 8º, ultrapassando a vizinha Espanha (14º), devido à forte política energética assente nas renováveis e nos combustíveis não poluentes, como o caso do Hidrogénio.