A monumentalidade e a beleza colorida do traço de Almada naqueles seis painéis da década de 1940, que dominam o átrio da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, são absolutamente arrebatadoras. Demoramos uns longos segundos a desviar-nos do geral para atentar nos pormenores, confirmando em todas e cada uma das pinturas a rebeldia do artista, a roçar a subversão, dados os tempos que se viviam de ditadura salazarista, que as encomendou como instrumentos de propaganda das aventuras ultramarinas de Portugal: a ansiedade na expressão dos que partem para as Américas, as varinas negras em pose de poder e desafio, os emigrantes pobres a espreitar, amedrontados, do convés inferior, a apatia da audiência dos saltimbancos. Vive aqui, nestes frescos de mais de sete metros de altura por quase quatro de largura, a alma artística amotinada do autor, confirmada pelo próprio numa entrevista ao Diário de Lisboa, em 1953: “Creio não haver antes cumprido melhor, nem feito obra que fosse mais minha.”
Diz-se que a arte é eterna, mas pode também ser efémera. Aproveitando os andaimes montados numa das enormes paredes do átrio, aproximamo-nos destas pérolas modernistas, com claros laivos cubistas, e vemos essa efemeridade a despontar, na forma de tinta carcomida, e a parede a esfarelar-se. “A água é, muitas vezes, a origem dos problemas nos monumentos”, explica Teresa Veiga de Macedo, diretora-executiva em Portugal do World Monuments Fund (WMF, uma organização americana sem fins lucrativos, que se dedica à preservação de património em todo o mundo, aliando-se a parceiros locais, e que conta, entre os seus curadores, com personalidades como Aga Khan e Christian Louboutin).