“Quando há meios e colaboração internacional, os projetos resultam.” Foi com este sinal de otimismo e esperança que Rodrigo Serra, diretor do Centro Nacional de Reprodução do Lince-Ibérico desde a sua fundação, em 2009, e neste momento também coordenador do programa ibérico, iniciou a sua apresentação no VISÃO Fest, onde contou toda a história do salvamento in extremis desta espécie emblemática. Mas é um otimismo regrado: “Esta é uma história feliz que ainda não acabou”, alertou o veterinário, apontando as alterações climáticas como um dos desafios futuros.
Rodrigo Serra começou por recordar a campanha para salvar o “lince da Malcata”, em Portugal, que levou à criação da reserva da Malcata, nos anos 80. Mais tarde, em 1996, através de inquéritos e contagens indiretas, apontava-se para a existência de 150 linces na Península Ibérica. Uma investigação mais exaustiva, com análises de ADN, concluiu, em 2003, que afinal havia menos de 100, distribuídos por duas populações, em Doñana e Serra Morena. “A distância mostrava que não havia cruzamentos entre as duas populações há mais de cem anos. Nessa altura, a espécie foi dada como o felino mais ameaçado do mundo. Restavam menos de 25 fêmeas reprodutoras no campo”, recordou.
Foi aí que Portugal e Espanha uniram esforços para não deixar escapar a última oportunidade para salvar o lince, com um programa conjunto de reprodução e reintrodução na natureza do animal. Em 2004, começa então a reprodução em cativeiro em Espanha, e Portugal apresenta o seu plano de ação. Em 2005, nasce o primeiro lince em Espanha e é aprovado o plano português. Quatro anos mais tarde, em 2009, é inaugurado o Centro Nacional de Reprodução do Lince-Ibérico, em Silves, com 16 animais instalados numa área construída de 16 mil metros quadrados.
Ensinar os linces a evitar pessoas
O trabalho é muito mais complexo do que pode parecer à primeira vista. “O lince-ibérico é a espécie com menor diversidade genética do mundo”, explica o especialista, pelo que cada animal é escolhido a dedo para aumentar a diversidade genética. Cada fêmea dá à luz entre uma e cinco crias, após 64 dias de gestação, sendo a média duas ou três. Quando nasce, e durante 30 dias, a cria é completamente dependente da mãe (sendo que só abrem os olhos aos 15 dias). Começam a aprender a caçar aos três meses. Mas aprendem a lutar mais cedo, entre eles, e com resultados potencialmente fatais. “Os irmãos lutam muitas vezes até à morte, e é a mãe que os separa”, descreveu Rodrigo Serra.
Parte fundamental do trabalho no centro de reprodução é assegurar que os animais não se afeiçoam às pessoas. “Há um sistema de tubos de alimentação para nunca associar a comida aos humanos”, explicou o diretor. “É essencial para que no futuro não venham procurar comida junto às populações humanas. E nós assustamo-los ativamente, para aprenderem a fugir de humanos.”
O centro de Silves já produziu 154 animais, com 94 dos 119 sobreviventes a terem sido libertados nas seis áreas de reintrodução (uma em Portugal, cinco em Espanha). Os dados de sobrevivência e reprodução em liberdade mostram o sucesso do trabalho feito pelos responsáveis do programa (que em Portugal é gerido pelo ICNF). “Setenta por cento sobrevivem mais de um ano e 43% das fêmeas reproduzem-se ao fim de dois anos.”
Este sucesso traduz-se em números que nem nos melhores sonhos pareciam possíveis. Em 2020, Portugal superou os 100 linces em liberdade, num total de 1 108 na Península Ibérica, espalhados por uma área de 488 km2. “Já temos linces no Alentejo, no Algarve, na fronteira com Espanha e na zona de Serpa”, sublinhou Rodrigo Serra. “O lince está a expandir-se com muita velocidade. Neste momento, estão contabilizados 1 365 linces na península, com 209 em Portugal. Mas acredito que em 2022 tenhamos ultrapassado já os 1 500.”
Mas a tarefa ainda não terminou, avisou. “É essencial criar mais oito populações e uni-las todas. Não deem esta história como fechada. Ainda falta muito e vai dar muito trabalho.”