Foi uma criança solitária, de infância passada na companhia da avó materna. Fez furor nas décadas de 70 e 80, com as roupas trazidas de Londres e que abriram os horizontes da mulher portuguesa. No ano em que celebra 30 anos de carreira como criadora e 40 de atividade no setor da moda, não apresentará, pela primeira
vez, uma coleção na ModaLisboa.
Este ano não vai à ModaLisboa nem ao Portugal Fashion. O que se passou?
Cansaço. Em 2009, quando a empresa-mãe [Ana Salazar Lda.] estava quase sem passivo, apareceram dois investidores [João Barbosa e Luís Aranha] com uma série de projetos para os quais era preciso muito dinheiro. Eles comprariam a marca e eu ficava como diretora artística. O valor da compra da marca seria dividido em tranches, que seriam pagas até 2014.
O projeto era ambicioso, com o aumento de funcionários, a abertura de lojas, expansão para Angola e Brasil e faturação de 100 milhões de euros. O que correu mal?
O incumprimento financeiro, logo em 2009. Acho que recebi, no total, apenas quatro ou cinco tranches. Nessa altura, com o resto do pessoal estava tudo bem. Fomos para São Paulo e viemos com montes de ideias interessantes. Luís Aranha era o CEO, João Barbosa tratava da parte financeira e eu nem tinha acesso aos balancetes. A meio de 2010, começaram os problemas com a minha imagem a ficar cada vez mais afetada pelo incumprimento. Em Portugal e no estrangeiro, diziam: «Vendemos se pagarem antes.» Quando a empresa era familiar, tínhamos, por vezes, crédito até 60 dias.
Mas, em 2011, deu um «voto de confiança» a João Barbosa. Estava longe de imaginar que, uns meses depois, ia sair da empresa?
Em maio/junho cada um deles queria juntar-se a mim, para dispensarmos o outro. Dei o meu voto ao João, porque era aquele que conheci primeiro e que, até há pouco tempo, me parecia ser uma pessoa séria.
O que a fez mudar de ideias?
A péssima gestão vinha do tempo do Luís Aranha, mas pensei que, com o João Barbosa, a situação se compunha. O mal disto tudo é que nunca houve entrada de dinheiro. Arranjou-se algum material para
a coleção primavera/verão 2012 que está a ir para as lojas, mas, no final de 2011, toda a parte fabril foi dispensada. Ficaram duas costureiras, pelo menos 15 pessoas foram mandadas embora, incluindo a assistente que trabalhava comigo há 30 anos, o diretor financeiro… Era viver numa mentira.
Não havia tecidos, fechos éclair, linhas, botões. Nem pessoas para trabalhar.
Já falou com o João Barbosa, desde que se afastou, a 15 de fevereiro?
Tentámos falar, até no gabinete dos meus advogados, que ele conhece. Mas, infelizmente,
tudo indica que vamos entrar num processo litigioso.
Continua a dizer que ainda «falta muito profissionalismo» em Portugal?
Sim. Vamos evoluindo, claro, mas falta, em todas as áreas. Os portugueses – os que têm dinheiro, porque a classe média está fortemente abalada – não gostam de consumir português. Compram as marcas massificadas e baratas ou as que dão status. Isso é horrível.
Não se deixa levar por essas marcas?
Gostei sempre de criadores internacionais que, praticamente, não aparecem em Portugal.
E isso já vem do tempo da loja A Maçã?
Quando abri a loja, em 1972, foi a revolução antes da Revolução. As pessoas sentiam necessidade de mudança. Eu trazia de Londres uns jeans muito especiais, Inega, bordados com aplicações, rasgados.
Eram peças com linhas muito insólitas e inusitadas. A melhor escola foi a minha escola.
Como era o ambiente, nessa época?
A primeira loja foi um êxito fantástico, chegámos a ter polícia à porta porque as pessoas faziam fila. A partir daí, conseguimos autofinanciamento e abrir cinco lojas, quatro em Lisboa e uma em Cascais
Ana Salazar: ‘Troquei uma vida sentimental e familiar pela carreira’
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