Falemos do Círio da Nazaré, a propósito desta Basílica. Em Outubro realiza-se em Belém o Círio da Nazaré, a maior manifestação religiosa católica do Brasil. Conta com a participação de cerca de dois milhões de pessoas, as quais percorrem uma distância de cinco quilómetros entre a Catedral Metropolitana de Belém (visitámo-la na crónica 4) e a Basílica de Nazaré, transportando a imagem de Nossa Senhora de Nazaré. Há mais de 200 anos que o estado do Pará, mais particularmente a capital, Belém, literalmente pára por ocasião do Círio de Nossa Senhora de Nazaré. No chamado dia do Círio, o trânsito é interditado nas ruas centrais da capital, as lojas fecham, as ruas pelas quais a procissão passa são profusamente decoradas, janelas, portas e sacadas são ocupadas pelos moradores atentos à passagem da imagem da santa. Muitos chegam até a comprar roupa nova para vestir no dia do Círio. A origem do Círio e da Festa de Nazaré está envolta em lendas ou mitos, que se misturam com factos históricos. Sabe-se que a devoção à Nossa Senhora de Nazaré começou, no Brasil e no Pará, numa localidade denominada Vigia e de lá deve ter atingido a capital, Belém. Por volta de 1700, reza a tradição, caminhava nas matas da então tortuosa estrada do Utinga, hoje avenida Nazaré em Belém, um caboclo (ou seja, mestiço de portugueses e de índios) agricultor e caçador chamado Plácido José dos Santos. Levado pela sede, acabou por descobrir entre pedras cobertas de trepadeiras, às margens do igarapé Murutucu (localizado atrás da atual Basílica de Nazaré), uma espécie de nicho natural com uma pequena imagem da Virgem de Nazaré. A imagem, hoje tida como a original, tinha 38,5 centímetros de altura. Plácido levou-a para casa e no dia seguinte, ao acordar, viu que tinha desaparecido. Assustado, correu até ao local onde a encontrara e percebeu que a imagem havia voltado para o mesmo lugar. O fenómeno repetiu-se várias vezes, até que o governador da época mandou que a imagem fosse levada para a capela do Palácio do Governo, onde ficou guardada pelos soldados, que passaram a noite em vigília para impedir que alguém ali entrasse ou de lá saísse. Mas, no dia seguinte, a santa foi de novo encontrada nas margens do igarapé, no mesmo lugar para onde sempre retornava, com gotas de orvalho e ervas presas ao seu manto, numa prova da longa caminhada através da estrada. A santa “viva” tinha-se movido novamente pelos seus próprios meios. Para atender aos desejos da santa, Plácido resolveu então construir uma pequena ermida para abrigar a imagem. A notícia do milagre espalhou-se rapidamente, atraindo para a palhoça do caboclo os habitantes da cidade que, curiosos, passaram a engrossar as fileiras dos devotos da santa milagrosa. A cada ano aumentava o número dos que iam até à cabana do caboclo a fim de ofertarem ex-votos – objetos de cera representando membros do corpo humano, muletas ou retratos, forma utilizada pelos fiéis para demonstrar o reconhecimento por graças alcançadas – aos pés do altar. Nestas peregrinações sobressaíam os círios ou velas de cera que, tal como em Portugal, depois passaram a denominar a própria procissão feita em homenagem à santa. Em 1793, o bispo do Pará, Dom João Evangelista, oficializou a devoção, colocando Belém sob a proteção de Nossa Senhora de Nazaré. E nesse mesmo ano, o presidente da Província do Pará, ávido por fomentar o comércio regional, resolveu organizar uma grande feira na qual os produtos agrícolas e extrativistas de toda a província seriam expostos e comercializados. Estrategicamente, determinou que a feira deveria ocorrer no final do segundo semestre, na mesma época em que os devotos costumavam homenagear a Virgem de Nazaré. Alvo das atenções e dos interesses da Coroa e da Igreja, a devoção popular à Nossa Senhora de Nazaré caminhava assim para uma futura institucionalização. O primeiro Círio da Nazaré oficial ocorreu em 1793. Em junho desse ano, pouco antes da feira, o presidente da província adoeceu e fez uma promessa: se recuperasse a saúde e pudesse inaugurar a grande feira, levaria a imagem até ao palácio do governo e, de lá, esta seria conduzida, em procissão, de volta à igrejinha. Efetivamente o presidente da província – Sousa Coutinho – recuperou e, no dia 8 de setembro de 1793, cumpriu a promessa. O primeiro Círio foi acompanhado por quase dois mil soldados, além da população civil. Participavam ainda no cortejo, além do presidente da província, os vereadores da Câmara e o vigário geral, substituindo o bispo, que viajara para Portugal. À frente, desfilava um esquadrão de cavalaria com os seus clarins, anunciando ao povo a aproximação do cortejo. Ao centro, fidalgos a cavalo formavam alas, entre as quais desfilavam as importantes damas locais, sentadas nas almofadas dos seus palanquins. Naquele primeiro Círio a imagem da santa foi transportada no colo do vigário geral, num carro puxado por juntas de bois, como se fazia em Portugal. Quando o cortejo chegou à ermida da santa, foi rezada uma missa, após o que o presidente da província inaugurou a feira que mandara montar no arraial. Foi também lançada, solenemente, a pedra fundamental da igreja de pedra e cal que deveria ser erguida no lugar da ermida. Este primeiro Círio revivia a lenda: a imagem da santa, levada na véspera para a capela do Palácio do Governo, refazia o seu caminho mítico, no dia seguinte, até ao local do primitivo achado
*. Estes e muitos mais detalhes sobre o Círio podem ser encontrados na publicação citada abaixo, do IPHAN – Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional. Sobre o atual edifício da Basílica, pouca informação se encontra. O nosso guia Cícero deu-nos alguns detalhes: foram dois barões da borracha portugueses que mandaram construí-la, em 1909, e é uma réplica da basílica de São Paulo, em Roma. Explicou-nos que as colunas frontais foram trazidas da ilha da Madeira e que a pintura no topo, à entrada, mostra os dois portugueses. A igreja está numa rua pequena, pelo que apanhar toda a sua fachada é uma operação difícil. Recorro nesta crónica a uma foto da Wikipédia, que mesmo assim a corta parcialmente.Visitada a Basílica, continuámos o nosso caminho. Nestas fotos podemos ver o preço da gasolina em Belém: 2,829 reais equivalem a um euro, ao câmbio desta altura (0,36 cêntimos).
* Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional – Ministério da Cultura do Brasil (2005),
Círio de Nazaré. Página consultada a 3 de Agosto de 2013 http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=725.